terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

João das Fábulas


João das Fábulas parte de um argumento instigante: João (Jack, no original), o matador de gigantes e de outras histórias, acaba de perder sua vida bem sucedida de magnata do cinema em que contava as próprias histórias. Isso ocorre justamente porque não é permitido por certa organização, liderada pelo “Revisor”, que as histórias das fábulas sejam disseminadas entre o grande público. Os personagens das fábulas estão entre nós, mas há uma equipe secreta de controle que espera que um dia elas sejam esquecidas pelas pessoas. João é preso no asilo “galhadas douradas” junto com outros personagens como Alice, Cachinhos dourados, Humty Dumpty, Doroty e seus aliados de “O mágico de Oz”, entre outros. A mini-série em quatro edições dedica os dois primeiros volumes para tratar da fuga organizada por João. Os outros dois, não tão interessantes, narram suas desventuras por Las Vegas.
Bem... Paródias de personagens da literatura clássica infantil não são mais novidade. No mínimo desde Shrek, as gerações mais recentes já se acostumaram a ver o conteúdo das obras de La Fountaine, Irmãos Grimm e Disney, serem objeto de revisão e atualização - nem sempre coincidindo com o alargamento de seu potencial simbólico ou estético. Após a anti-fábula do Ogro esverdeado, filmes grotescos como Deu a louca na chapeuzinho, ou as reinvenções da Princesa e o sapo, e de Rapunzel, em Enrolados, contribuíram para o desgaste do que ainda poderia ser inovador na série da Dream Works. Mesmo o conto de João e o pé de feijão está sendo repaginado para os cinemas em Jack the giant killer, com estréia prevista para 15 de julho deste ano. Mas vamos ao que interessa...
Os desenhos dos quatro volumes estão corretos. Com ênfase no tratamento do herói, que surge em vários momentos em poses afetadas, repletas de maneirismos (como na cena de página dupla da explosão, no primeiro volume). Isso reforça a personalidade adaptável, cheia de subterfúgios e manhas do protagonista. Aposta-se também no teor erótico das personagens femininas em curvas e posições sensuais (vide Cachinhos dourados), e que, além de enfatizar a necessidade galanteadora (canalha, pode-se dizer) do herói, liga-se à origem dos contos de fada, também repletos de sexualização. Aliás, a violência e a forte carga sexual antes de servir como inversão de valores, serve como recuperação do valor original das fábulas. O “Revisor” as persegue e aprisiona justamente para atenuar paulatinamente as mensagens violentas e sexuais de contos como “Chapeuzinho vermelho” e “João e Maria” (pra quem não lembra, aquela é comida pelo lobo e estes torram a bruxa no fogo). Assim, o caráter paródico da aventura também é ambíguo, já que investe na recuperação de temáticas mais tradicionais. Em contrapartida, apesar do teor anti-heróico das ações de João, certos recurso mantém o clima infantil, como estrelinhas que surgem ao alguém ser atingido e o caráter farsesco, de cartum, dos ferimentos do herói
Outro artifício relevante utilizado é a metalinguagem. A começar pelos títulos seguidos de legendas que contam tudo que acontecerá nos capítulos, a exemplo de romances como Dom Quixote e Pantagruel. A ênfase logicamente está no “como” não no “que”. Além disso, João sabe que é um personagem de ficção e usa isso a seu favor. Pede, por exemplo, para o leitor ler de novo o início da HQ enquanto se recupera de uma noitada de sexo; anuncia sua boa ventura, justificando ser o herói da história. Mas o ponto alto está mesmo quando perde uma de suas amantes e explica que, numa página oportunamente retirada da versão final, ela lhe pedira que ele seguisse sua vida da mesma forma que antes de conhecê-la, o que significa todas as liberdades de bon vivant. A página é prometida para a versão encadernada de sua história. Alguns personagens como o “revisor” interrompem a história principal para desacreditar a lógica das fábulas e uma das vilãs abandona tal função narrativa para explicar certos fatos que não são diegeticamente explicados, ainda que sejam informações laterais.
As fábulas mais atuais também não estão de fora. Assim, os atos finais de João das fábulas investem na apropriação de contos modernos como os casamentos relâmpago de Las Vegas; o destino dos sortudos nos Casinos, o gorducho nerd que consegue uma verdadeira boneca sexual e a citação precisa de novos clássicos como Dirty Harry e Frodo.
Certas escolhas narrativas também são precisas. A quadrinização dá o ritmo certo à narrativa, encurtando quadrinhos quando preciso (na cena em que João irrita-se com o advogado da senhorita Wagner, o espaço em que coube apenas um quadro é ampliado para quatro). Os ângulos também são na maioria certeiros. A começar pelos dispositivos mais básicos, como retratar João de baixo para cima no início da história em que ele ainda é o maioral, ou no tratamento convexo justamente no quadro em que sua sorte mudará, pois acaba de conhecer a senhorita Wagner.
Terminando com uma narração em off, a partir do blog de um jovem nerd (no resto da história é João, apropriadamente, quem narra) e retornando à situação inicial do protagonista, com gosto de conto popular em que o mundo permanece igual após a subtração dos problemas, João das Fábulas é leitura indicada pra quem gosta de histórias divertidas e bem feitas. Recomendação máxima também para os colegas professores que não sabem como abordar literatura de maneiras variadas na escola. A nova fábula de João pode ser no mínimo o petisco antes do prato principal.

João das fábulas
Roteiro/criação: Bill Willingham & Matthew Sturges
Arte: Tony akins
Arte-final: Andrew Pepoy
Cores: Daniel Vozzo
Editora-assistente original: Angela Rufino
Editora original: Shelly Bond


Autores do texto: Lucilene Canilha Ribeiro e Daniel Baz dos Santos

Então, gostaram do João das fábulas? Sua opinião diverge da proposta aqui? Quem não conhece ficou curioso? Quem já leu, no que a HQ chama mais atenção? Fiquem à vontade para comentar.
Abração a todos!

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