terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Um romance superestimado


          O cara é capa da time. A Oprah Winfrey leu e indicou. Todo mundo em 2011 quis ser Jonathan Franzen, autor do já aclamado livro Liberdade. O romance, considerado o melhor do ano passado e do século pelo The guardian - o que a companhia das Letras não pode deixar de estampar na capa de sua edição -, narra a história do casal Berglund, Walter e Patty e do “melhor amigo” de ambos, o músico Richard Katz. A trajetória do trio traça um panorama das últimas gerações norte-americanas e seus traumas, muitos deles frutos da busca de todos os tipos de “Liberdade”. Liberdade sexual, cujo ponto principal ainda na primeira parte do livro envolve o “pseudo-estupro” sofrido por Patty. A liberdade pop, traduzida, entre outros fenômenos, na letra da Dave Matthews band (p. 161). A mensagem gravada pela turma de 1920 a expressa no aforismo: “USA BEM TUA LIBERDADE” (p. 201). Liberdade política, associada ao Partido Republicano por Richard (p. 220). E claro, liberdade para os países árabes (p. 275).
             Palavra utilizada muitas vezes durante o livro, a liberdade aparece fundamentalmente enquanto ironia. O triângulo amoroso formado pelo trio combate a vida inteira contra determinadas condições que suprem suas possibilidades individuais. Patty não pôde ser esportista nem gozar do prazer sexual ao lado de Richard; Richard não pôde – entre outras aspirações - permanecer jovem e torna-se um roqueiro do tipo escroto, mas irresistível; Walter pouco pôde. Como contraponto sádico, o narrador do livro se permite todas as formas de liberdade. Consegue narrar os acontecimentos a partir de todas as perspectivas e domina o espaço e o tempo em todos os seus níveis. Mas sua força está mais presente no conflito entre a intimidade das personagens e o contexto social que dá sentido a muitas de suas aspirações.
             Dramas de família como alegoria dos tempos não é algo novo na literatura estadunidense. Está lá em As vinhas da ira, de John Steinbeck. E claro, no protótipo da família moderna, os Compsons de O som e a fúria, de William Faulkner. Tais projetos precisam que a narrativa tenha fôlego para abarcar o cosmos coletivo e pessoal que envolve a consumação da instituição familiar. Não à toa, Liberdade começa com um pequeno prelúdio em que temos acesso à opinião dos vizinhos acerca dos Berglunds, que são descritos e apresentados por múltiplas perspectivas, e que em alguns casos retornarão a partir de outros pontos de vista (como é o caso da saída do filho Joey para viver com a vizinha e namorada). Dos vizinhos, se destacam os Paulsen - que como Cora e Vernon de Enquanto agonizo – servem como doxa, a opinião pública tentando desbravar a intimidade dos vizinhos. Esta estratégia inicia e também irá encerrar o livro, com a visão da comunidade acerca da vida do já envelhecido Walter Berglund.
          Nós leitores, mais afortunados que os Palsen, temos irrestrito acesso a suas experiências mais particulares, e um dos pontos mais emblemáticos do acesso ao íntimo está na autobiografia escrita por Patty, denominada “Todo mundo erra” a qual conhecemos já na página 37. A biografia até o fim do livro será conhecida pelos dois pares da personagem e está na raiz da resolução de seus problemas. O acesso à intimidade aqui pode ser metade do diagnóstico. A patologia está presente na motivação do livro. Patty o escreve por recomendação do analista, um esforço de descobrimento psíquico que tem pares mais interessantes em Lolita, de Nabokov, Complexo de Portnoy, de Philip Roth e Memórias de Adriano, de Margueritte Yourcenar. Um sério ponto fraco desta parte do livro está na voz narrativa que não destoa do narrador geral do livro.
             Comparado por alguns a Guerra e paz – e não de forma gratuita, pois Patty lê e se identifica com os personagens do clássico de Tolstói (p. 192) – Liberdade é um romance superestimado. Alguns diálogos são bons, mas muitos são artificiais e enfadonhos. Existem certas inverossimilhanças, como a relação do pai com Joey que não se resolve de forma orgânica. Bem construído e com cenas já antológicas – como a de Joey procurando a aliança - o livro de Jonathan Franzen se defende bem. Mas o hype é marketing. Livro do século? Acho que o século merece mais.

FRANZEN, Jonathan. Liberdade. São Paulo: Companhia das letras, 2011.


Autor do texto: Daniel Baz dos Santos




Fiquem à vontade para discordar. E obrigada pela leitura :)

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