sábado, 24 de agosto de 2013

Uma experiência quadrinística da solidão




Mawil é um quadrinista alemão da nova geração de artistas que vem reinventando os quadrinhos por lá. Em Mas podemos continuar amigos..., publicado pela Zarabatana Books, ele conta uma divertida história sobre seus fracassos amorosos de cunho levemente autobiográfico (característica atual das histórias em quadrinhos alemãs e, por que não dizer, mundiais). Este é seu álbum de estreia, nascido de um trabalho de conclusão de curso.
A narrativa apresenta dois níveis bem claros. Em uma mesa de bar um grupo de amigos questiona o protagonista a respeito de seus casos amorosos. Este, vencendo um constrangimento inicial, passa a contar uma por uma de suas derrotas sentimentais, sendo este o verdadeiro conteúdo da obra, emoldurado pela conversa informal do grupo. A primeira sacada de mestre reside na disposição dos quadros que trata de forma diferenciada estes dois universos. A história em si é contada basicamente por intermédio de três quadros por linha, três linhas por página, enquanto que as passagens dos amigos conversando são representados em dois quadros por linha.
Tendo um tema único como centro, a narrativa se preocupa em representar a experiência humana em situações cotidianas que o envolve, algo que é enfatizado principalmente pela simplificação dos espaços - recurso presente também em Pagando por sexo, de Chester Brown, resenhado aqui - e pelas hipérboles nas expressões. Estes dois recursos são usados na cena em que tenta dar flores de aniversário para garota por quem está interessado (p. 16-17) ou quando resolve sua última e aparentemente mais séria paixão (p. 58)
Sendo assim, o mais importante para o artista é justamente a aclimatação dentro dos grupos de amigos, investindo na tensão emocional/sexual que existe a todo o momento, atmosfera alcançada, por exemplo, quando retrata figuras muito próximas em quadros bem fechados (p. 15- 31). Esta mesma preocupação rende a cena mais impressionante do álbum, com um grupo de amigos em volta de uma mesa (numa rima interessante com a imagem inicial do álbum) que ocupa toda a página (p. 28).  A imersão neste universo de intimidade é adquirida também ao grafar-se de cabeça para baixo as frases das pessoas que se situam na parte inferior do quadro, o que envolve o leitor em um exercício de descoberta que revela o seu voyeurismo e o fascínio por histórias de cotidianos intimistas como esta.
O interesse de seu amigo, manifestado já na contracapa do álbum (mais um indício de que este universo é quase para-textual), também é o nosso próprio interesse. Entretanto, sabendo que a solidão de seu herói é o componente emocional mais forte da trama, o autor não deixa de manter a tradicional separação dos quadros, com sarjetas feitas de lacunas brancas, como que respeitando o universo particular de cada um destes seres, mesmo quando em grupo.
Outra estratégia utilizada para intensificar a solidão do protagonista refere-se à recorrência de cenas em que muitas personagens preenchem um mesmo quadro falando ao mesmo tempo. Tal recurso ressalta a insignificância dos transtornos do herói, já que muitas coisas acontecem ao mesmo tempo, despreocupadas em ajudá-lo/consolá-lo. Quando falam ao mesmo tempo dentro de um mesmo recorte espacial, aos balões cabem a função de situar o leitor no tempo e essa sincronia vozes fortalecem o coro coletivo pluritemporal, o que realça a solidão e isolamento do protagonista.
Numa das cenas mais geniais de sua trama, uma personagem  recebe flores do protagonista e diz para ele, pela primeira vez, a fatídica frase que intitula o álbum (p. 20). No centro do quadro, há um close nas mãos da personagem, que se encontram dentro dos bolsos de seu moletom, enquanto ela diz, surpresa pelo inesperado presente: “Eu tinha ouvido por aí uns boatos, o pessoal comentando... mas nunca imaginei que fosse você”. O gesto do quadro central adquire um sentido muito maior e mais trágico se lido isoladamente, figurando o seu não envolvimento e a sua displicência contida em relação ao interesse do protagonista. Ao fim da página, no meio dos dois, há uma árvore tão solitária quanto ambos. A solidão para Mawil é conseqüência da passividade humana diante do outro. 

Autor: Daniel Baz

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