Mawil é um
quadrinista alemão da nova geração de artistas que vem reinventando os
quadrinhos por lá. Em Mas podemos
continuar amigos..., publicado
pela Zarabatana Books, ele conta uma divertida história sobre seus fracassos
amorosos de cunho levemente autobiográfico (característica atual das histórias
em quadrinhos alemãs e, por que não dizer, mundiais). Este é seu álbum de estreia,
nascido de um trabalho de conclusão de curso.
A narrativa
apresenta dois níveis bem claros. Em uma mesa de bar um grupo de amigos
questiona o protagonista a respeito de seus casos amorosos. Este, vencendo um
constrangimento inicial, passa a contar uma por uma de suas derrotas
sentimentais, sendo este o verdadeiro conteúdo da obra, emoldurado pela
conversa informal do grupo. A primeira sacada de mestre reside na disposição
dos quadros que trata de forma diferenciada estes dois universos. A história em
si é contada basicamente por intermédio de três quadros por linha, três linhas
por página, enquanto que as passagens dos amigos conversando são representados
em dois quadros por linha.
Tendo um tema
único como centro, a narrativa se preocupa em representar a experiência humana
em situações cotidianas que o envolve, algo que é enfatizado principalmente
pela simplificação dos espaços - recurso presente também em Pagando por sexo, de Chester Brown,
resenhado aqui - e pelas hipérboles nas expressões. Estes dois recursos são
usados na cena em que tenta dar flores de aniversário para garota por quem está
interessado (p. 16-17) ou quando resolve sua última e aparentemente mais séria
paixão (p. 58)
Sendo assim,
o mais importante para o artista é justamente a aclimatação dentro dos grupos
de amigos, investindo na tensão emocional/sexual que existe a todo o momento, atmosfera
alcançada, por exemplo, quando retrata figuras muito próximas em quadros bem
fechados (p. 15- 31). Esta mesma preocupação rende a cena mais impressionante
do álbum, com um grupo de amigos em volta de uma mesa (numa rima interessante
com a imagem inicial do álbum) que ocupa toda a página (p. 28). A imersão neste universo de intimidade é
adquirida também ao grafar-se de cabeça para baixo as frases das pessoas que se
situam na parte inferior do quadro, o que envolve o leitor em um exercício de
descoberta que revela o seu voyeurismo e o fascínio por histórias de cotidianos
intimistas como esta.
O interesse
de seu amigo, manifestado já na contracapa do álbum (mais um indício de que
este universo é quase para-textual), também é o nosso próprio interesse.
Entretanto, sabendo que a solidão de seu herói é o componente emocional mais
forte da trama, o autor não deixa de manter a tradicional separação dos
quadros, com sarjetas feitas de lacunas brancas, como que respeitando o
universo particular de cada um destes seres, mesmo quando em grupo.
Outra
estratégia utilizada para intensificar a solidão do protagonista refere-se à
recorrência de cenas em que muitas personagens preenchem um mesmo quadro falando
ao mesmo tempo. Tal recurso ressalta a insignificância dos transtornos do
herói, já que muitas coisas acontecem ao mesmo tempo, despreocupadas em
ajudá-lo/consolá-lo. Quando falam ao mesmo tempo dentro de um mesmo recorte
espacial, aos balões cabem a função de situar o leitor no tempo e essa
sincronia vozes fortalecem o coro coletivo pluritemporal, o que realça a
solidão e isolamento do protagonista.
Numa das
cenas mais geniais de sua trama, uma personagem recebe flores do protagonista
e diz para ele, pela primeira vez, a fatídica frase que intitula o álbum
(p. 20). No centro do quadro, há um close nas mãos da personagem, que se
encontram dentro dos bolsos de seu moletom, enquanto ela diz, surpresa pelo
inesperado presente: “Eu tinha ouvido por aí uns boatos, o pessoal
comentando... mas nunca imaginei que fosse você”. O gesto do quadro central
adquire um sentido muito maior e mais trágico se lido isoladamente, figurando o
seu não envolvimento e a sua displicência contida em relação ao interesse do
protagonista. Ao fim da página, no meio dos dois, há uma árvore tão solitária
quanto ambos. A solidão para Mawil é conseqüência da passividade humana diante
do outro.
Autor: Daniel Baz
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