sábado, 13 de julho de 2013

O ciclo de Juiz Dredd




Juiz Dredd Megazine, publicada pela Mythos Editora, traz de volta às bancas brasileiras um personagem cuja história entre nós é feita de poucas publicações, na sua maioria crossovers de qualidade questionável, lançados durante a década de 90, ou pouquíssimos bons títulos dispersos entre a editora Ebal e a Pandora Books. O personagem retorna com histórias clássicas ao lado de material mais recente e é acompanhado de outros personagens da 2000 AD (revista original inglesa na qual Dredd surgiu), alguns inéditos no Brasil. A história que será analisada aqui é aquela que abre a coletânea e tem o traço de um dos mais célebres autores da revista britânica, Brian Bolland. A narrativa é curta e simples: Dredd e outros juízes têm que conter a debandada de monstros de um zoológico de Mega-city UM causada por um adolescente.
No primeiro quadro, Dredd (que acaba de chegar ao local do crime) olha para frente encarando as criaturas fugidas. Contudo, devido à posição de seu rosto, ele pode muito bem estar encarando o leitor, numa imagem que conota sua natureza. Se o capacete escondendo permanentemente a face do agente da justiça servia como representação da impessoalidade da lei, neste caso se adiciona ao fato de não sabermos para onde olha o juiz, isto é, não podemos estar seguros a respeito da forma como ele vê o mundo e para onde se dirige seu olhar. Além disso, Bolland desenha justamente a parte superior da cabeça de Dredd invadindo o quadro acima, algo que, associado ao seu punho fechado em primeiro plano (quase também saindo da revista), revelam sua onipresença e situam também os leitores no horizonte de sua ameaça: “Algum vagal vai pagar por isso.” (p. 3)
Na página seguinte, é exposta de forma simples a famosa ambigüidade que rege o mundo de Mega-city UM. Um menino entendiado agride um dos animais aprisionados e é imediatamente agredido por um policial ao som de “Moleque escroto”. É esta violência desmesurada que motivará o jovem a querer vingança, libertando as criaturas. No mundo de Dredd, a violência apresenta este caráter totalizador em que todos são culpados por sua perpetuação. Sendo assim, a decisão de Bolland - mostrar a infração, a represália e o desejo de vingança na mesma página (p. 4) - capta apropriadamente este complexo de relações. Por isso também a página termina com um quadro menor apresentando uma jaula violada e aberta, ícone que figura a atmosfera do universo do juiz e da história propriamente dita.
Outra passagem indicadora do “efeito dominó” provocado pela ação dos juízes está na cena em que surgem os Tentatee Antarano, criaturas irracionais que, para sobreviver em seu ambiente, desenvolveram a habilidade de imitação, como atesta o recordatório. Tudo o que é dito e feito por Dredd é reprisado pelos mímicos, ironizando a real eficiência de seus atos. E, quando os monstrengos devem atacar a si mesmos (repetindo gesto do juiz) para serem derrotados, entendemos qual o sentido que a aplicação desmesurada da lei pode ter nesta sociedade. A solução pode estar na autodestruição, no caos que leva uma comunidade a destruir-se a si mesma.
A história acerta em vários outros pontos, como ao fazer o garoto ser atacado por uma das feras que ele deixou escapar. Aqui, é valiosa a afirmação de que a tal criatura, um Yabba Dabba, seja vegetariana e tenha atacado o moleque por acaso, indício de que nem toda vítima é o que parece ser. Dredd, numa cena cômica e absurda, entra dentro da barriga do animal - lanterna em punho - e efetua a prisão no interior do bicho, esperando que ele e o criminoso sejam expelidos nas fezes do gigante herbívoro. Bolland não mostra a cena, mas está implícita a imagem de evacuação de ambos os lados da moeda da lei. Tanto o agente da justiça, quanto o meliante sairão pelo mesmo caminho, sujos da mesma substância podre que qualifica tudo em Mega-city UM.
No último quadro, Dredd, após o dever comprido, está de costas, se distanciando de nós, caminhando para o fundo do quadro, os braços pendendo inúteis ao lado do corpo, numa imagem oposta aquela que abre a narrativa. Ao invés da ameaça segura, de sua boca escapa um discurso pessimista a respeito da efetividade de prender um marginal em um mundo repleto de loucos em potencial. A história fecha um ciclo emblemático do universo do Juiz. Figura um mundo sem saída em que a violência se repetirá ininterruptamente, muitas vezes motivada pela ação da lei. Por isso, a história marca com eficácia a volta de Juiz Dredd às bancas, trabalhando com os inúmeros níveis que seu universo permite explorar.

Autor: Daniel Baz

2 comentários:

  1. "Tanto o agente da justiça, quanto o meliante sairão pelo mesmo caminho". =D Muy bueno (todo texto, claro).

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  2. Valeu, Régis. Esta cena é impagável mesmo (o texto, nem tanto) :)

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