Juiz Dredd
Megazine, publicada pela Mythos Editora, traz de volta às bancas brasileiras um
personagem cuja história entre nós é feita de poucas publicações, na sua
maioria crossovers de qualidade
questionável, lançados durante a década de 90, ou pouquíssimos bons títulos
dispersos entre a editora Ebal e a Pandora Books. O personagem retorna com
histórias clássicas ao lado de material mais recente e é acompanhado de outros
personagens da 2000 AD (revista original inglesa na qual Dredd surgiu), alguns inéditos no Brasil. A história que será
analisada aqui é aquela que abre a coletânea e tem o traço de um dos mais
célebres autores da revista britânica, Brian Bolland. A narrativa é curta e
simples: Dredd e outros juízes têm que conter a debandada de monstros de um
zoológico de Mega-city UM causada por um adolescente.
No primeiro
quadro, Dredd (que acaba de chegar ao local do crime) olha para frente
encarando as criaturas fugidas. Contudo, devido à posição de seu rosto, ele
pode muito bem estar encarando o leitor, numa imagem que conota sua natureza.
Se o capacete escondendo permanentemente a face do agente da justiça servia
como representação da impessoalidade da lei, neste caso se adiciona ao fato de
não sabermos para onde olha o juiz, isto é, não podemos estar seguros a
respeito da forma como ele vê o mundo e para onde se dirige seu olhar. Além
disso, Bolland desenha justamente a parte superior da cabeça de Dredd invadindo
o quadro acima, algo que, associado ao seu punho fechado em primeiro plano
(quase também saindo da revista), revelam sua onipresença e situam também os
leitores no horizonte de sua ameaça: “Algum vagal vai pagar por isso.” (p. 3)
Na página
seguinte, é exposta de forma simples a famosa ambigüidade que rege o mundo de
Mega-city UM. Um menino entendiado agride um dos animais aprisionados e é
imediatamente agredido por um policial ao som de “Moleque escroto”. É esta
violência desmesurada que motivará o jovem a querer vingança, libertando as
criaturas. No mundo de Dredd, a violência apresenta este caráter totalizador em
que todos são culpados por sua perpetuação. Sendo assim, a decisão de Bolland -
mostrar a infração, a represália e o desejo de vingança na mesma página (p. 4) -
capta apropriadamente este complexo de relações. Por isso também a página
termina com um quadro menor apresentando uma jaula violada e aberta, ícone que
figura a atmosfera do universo do juiz e da história propriamente dita.
Outra passagem
indicadora do “efeito dominó” provocado pela ação dos juízes está na cena em
que surgem os Tentatee Antarano, criaturas irracionais que, para sobreviver em
seu ambiente, desenvolveram a habilidade de imitação, como atesta o
recordatório. Tudo o que é dito e feito por Dredd é reprisado pelos mímicos,
ironizando a real eficiência de seus atos. E, quando os monstrengos devem atacar
a si mesmos (repetindo gesto do juiz) para serem derrotados, entendemos qual o
sentido que a aplicação desmesurada da lei pode ter nesta sociedade. A solução
pode estar na autodestruição, no caos que leva uma comunidade a destruir-se a
si mesma.
A história acerta
em vários outros pontos, como ao fazer o garoto ser atacado por uma das feras
que ele deixou escapar. Aqui, é valiosa a afirmação de que a tal criatura, um
Yabba Dabba, seja vegetariana e tenha atacado o moleque por acaso, indício de
que nem toda vítima é o que parece ser. Dredd, numa cena cômica e absurda,
entra dentro da barriga do animal - lanterna em punho - e efetua a prisão no
interior do bicho, esperando que ele e o criminoso sejam expelidos nas fezes do
gigante herbívoro. Bolland não mostra a cena, mas está implícita a imagem de
evacuação de ambos os lados da moeda da lei. Tanto o agente da justiça, quanto
o meliante sairão pelo mesmo caminho, sujos da mesma substância podre que
qualifica tudo em Mega-city UM.
No último
quadro, Dredd, após o dever comprido, está de costas, se distanciando de nós,
caminhando para o fundo do quadro, os braços pendendo inúteis ao lado do corpo,
numa imagem oposta aquela que abre a narrativa. Ao invés da ameaça segura, de
sua boca escapa um discurso pessimista a respeito da efetividade de prender um
marginal em um mundo repleto de loucos em potencial. A história fecha um ciclo
emblemático do universo do Juiz. Figura um mundo sem saída em que a violência
se repetirá ininterruptamente, muitas vezes motivada pela ação da lei. Por
isso, a história marca com eficácia a volta de Juiz Dredd às bancas,
trabalhando com os inúmeros níveis que seu universo permite explorar.
Autor: Daniel Baz
"Tanto o agente da justiça, quanto o meliante sairão pelo mesmo caminho". =D Muy bueno (todo texto, claro).
ResponderExcluirValeu, Régis. Esta cena é impagável mesmo (o texto, nem tanto) :)
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