Nihonjin,
livro do paranaense Oscar Nakasato, foi rejeitado pelas doze maiores editoras do
Brasil antes de ser publicado pela Editora Benvirá e de ter vencido o prêmio
Jabuti de melhor romance em 2012. Não é difícil, apesar da premiada trajetória que o livro está
desenvolvendo, entender sua demorada aceitação. Escrito com uma linguagem sem
pretensões e tratando de um tema pouco desbravado no Brasil (a situação do
migrante japonês) é necessário olhar o texto de Nakasato considerando seus possíveis
equívocos ao lado de seus tímidos êxitos.
O assunto
escolhido tem potencial de épico e apresenta a saga de Hideo Inabata, que
desembarca no Brasil na década de 20 com esperança de enriquecer e voltar ao
Japão. A tentativa de manter-se ligado às tradições em solo brasílico e o
conflito com os filhos Haruo e Sumie impulsionam o desenvolvimento do romance.
Este é narrado pelo filho de Sumie, de forma a produzir um vínculo entre o
presente e definir certa “arqueologia” do passado, constante em muitas obras brasileiras
contemporâneas, a exemplo de O filho
eterno, de Cristóvão Tezza, Ribamar,
de José Castello, ou O diário da queda,
de Michel Laub.
Dessa forma,
o narrador nos conta uma história de tradição coletiva e, para isso, mimetiza
certas facetas do narrador tradicional, o storyteller,
citado outrora por Benjamin. Para exercer este papel, o contador parte de uma
motivação essencial para a narrativa tradicional, a saber, a ignorância, aliada a ideia de aprendizado pela narrativa: “Sei
pouco de Kimie” (p. 9) anuncia a primeira frase do livro. A personagem citada é
a ex-mulher de seu avô. Depois de uma temporada sem se adaptar ao trabalho no
cafezal, morre saudosa da neve de seu país natal em uma das melhores cenas do
livro, ainda na sua primeira metade.
O ocorrido
prenuncia a relação problemática dos estrangeiros em solo estranho, mas não
exclui o conflito dos japoneses com os seus iguais. Assim, quando Haruo resolve
se contrapor ao patriotismo exacerbado, representado pela organização ufanista Shindo Renmei, seu destino só pode ser
trágico. Além disso, a falta de informação do narrador-herdeiro, se transforma
na presentificação de um tempo antepassado em busca de respostas, o que cria uma
voz narrativa que interfere ativamente em todas as partes do romance,
presentificando muitas das cenas transcorridas com seus avós, ás vezes
simulando o próprio testemunho:
“Depois vi
Kimie observando o piso de terra batida” (p.20)
“Eu vi
Ojiichan chorando no meio da horta, solitário, iluminado pela lua, abraçado ao
cabo da enxada (p. 58).
Simular o
discurso testemunhal é uma das formas de se introuduzir no espaço e tempo
contados e resolver discursivamente a lacuna temporal que afasta as duas
realidades diegéticas. Outra forma de se inserir na matéria narrada é a escolha
do registro. A linguagem de Nihonjin
é límpida, clara, plácida, sem experimentação estética ou lingüística,
combinando com o assunto tipicamente pré-modernista relatado, ou seja, a vida
pré-industrial, campesina, resgatada pelo neto de Hideo. Além de obviamente
mimetizar a popular (mas, felizmente, não estereotipada) paciência e placidez
nipônica, que já marcou obras artísticas tidas como típicas do Japão, a exemplo do
cinema de Yasujiro Ozu, suas câmeras paradas e longas tomadas lentas.
Essa
desprentensão da linguagem certamente também se transforma em defeito, pois se
a falta de engenho se justifica formalmente, não pode surpreender uma
consciência receptora ávida por novas perfomances lingüísticas. Além disso, em
certos momentos os personagens lembram, no pior sentido, outra obra de nossa
literatura que também se ocupou da figura do migrante em período exatamente
igual. Falo de Canaã, de Graça Aranha,
em que os protagonistas formulaicos em seus diálogos serviam apenas como
depositários de idéias a serem discutidas pelo autor, o que assemelha, em
certas passagens, o livro de Nakasato a um “romance de tese”.
Além disso, a
construção discursiva tende a amarrar orações e períodos, num esforço de manter
unido um universo de identidades flutuantes e fadado ao desaparecimento, como
fica claro na interpolação de coordenadas e subordinadas, tradicionalmente
construídas por uma linguagem sem crises: “Um dia, Kimie ficou muito doente,
queixou-se de grande cansaço, teve febre, e todos disseram que Hideo precisava
levá-la ao médico, mas ele não achava necessário. Que ela descansasse alguns
dias, que ela só era uma mulher fraca e despreparada para o labor sob o sol. E
ele se resignou com o fazer a comida, pois duvidava que Jintaro o conseguisse,
e falou para ele lavar os pratos e as panelas. Então, quando estava a sós com o
amigo, disse aquilo: que Kimie não tinha jeito, que deveria ter se casado com
uma mulher forte, que agüentasse o trabalho na lavoura, que estava perdido com
ela.” (p. 28).
Apesar do
conteúdo crítico e conturbado do trecho, resumindo boa parte do nó inicial do
romance referente à subtração de Kimie, a sintaxe não se permite abalar. Tudo é
apresentado no seu devido lugar, numa sequência repleta de mecanismos lógicos
do discurso (e, pois, mas, que, então...) em um trecho curto que poderia
prescindir de muitos deles. Mas este excesso, este exagero de junções não podia
deixar de funcionar análogo ao esforço de Hideo em manter também unidos os
membros de sua família e a tarefa do narrador de manter ligados o presente e o
passado a todo custo. A narrativa tradicional, neste caso, enfatiza a
dissolução dos conteúdos em seu interior na mesma medida em que se esforça para
ligá-los. Esta talvez sendo a maior qualidade narrativa do novo campeão do
Jabuti.
NAKASATO, Oskar. Nihonjin. São Paulo: Benvirá, 2011.
Autor: Daniel Baz
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