Quando um
monstro gigante ataca uma cidade, o repertório de conseqüências é um só:
gritos, lamentos e um herói, pautado pela arquetípica personificação poderosa
do bem, que pode ter músculos do tamanho de paralelepípedos, uniforme
tecnológico e olho de besouro, ou algum super-poder a altura da empreitada. Estamos
acostumados com grande parte disso, no mínimo desde o clássico Gojira, de Ishirô
Honda, em que os fundamentos do “gênero” são construídos. Mas, na nossa
brejeira brasilidade, uma pergunta sempre ecoou sob este imaginário tão
nipônico quanto canônico: e se fosse o Brasil?
Gustavo
Duarte, na sua nova, e genial, Graphic
Novel Monstros!, explora esta inquietante possibilidade ao narrar o ataque
de três monstros gigantes à cidade de Santos. O autor é conhecido pelo seu
trabalho com charges no jornal Lance!
e pelos seus três álbuns, bem mais curtos, anteriores, Có!, Táxi e Birds, que lhe renderam uma porrada de
prêmios HQ Mix.
Seu mais novo
trabalho, começa subvertendo tudo que já sabíamos a respeito de ataques de
monstros ao investir em uma narrativa muda, sem falas, onomatopéias ou
recordatórios. Sendo assim, a atmosfera barulhenta, geralmente responsável pela
atmosfera trágica, épica e caótica deste tipo de situação é abandonada em prol
de um tratamento diferenciado. Duarte brinca com o comportamento exclamativo
(presente já no título do trabalho) comum a este tipo de material narrativo e
trata o ataque pela perspectiva do silêncio. Sobram as imagens e o imenso
talento do quadrinista.
Para suprir a
ausência de sons, o autor explora todo tipo de recurso visual. A começar pela
genial angulação de todo o álbum. As escolhas de ângulo e de perspectiva são
importantes, pois se situam, na maioria das vezes, em lugares inesperados do cenário,
o que sugere a maneira como as criaturas alteram a lógica do mundo, nos fazendo
olhá-lo de formas nunca antes vista. Uma cena exemplar do método é aquela que
se coloca da perspectiva de dentro de uma ossada de um dinossauro gigante. Perspectiva
que inverte a lógica tradicional da extereorização das criaturas. A
multilplicidade de ângulos também é uma forma bem sucedida de lidar com as duas
escalas exploradas pelo quadrinho, a macro, dos monstros, e a micro, dos
homens. Dois planos que se confrontarão na figura de Pinô, o improvável herói
desta história.
Dono de um
bar e, como descobriremos ao fim, com um passado de envolvimento com todo tipo
de fenômeno fantástico, Pinô é um show de composição. Armado com o misterioso
líquido que conservam os ovos em qualquer típico boteco brasileiro e com um
palito de dentes saindo dos bigodes (ótimo advérbio para despreocupação e
despretensão que o envolvem o simpático idoso), ao fim ninguém duvidará da
competência do senhor para lidar com os colossais inimigos. E após termos
acesso a vários pontos de vista do ataque, é com Pinô que seguiremos até o
final da história.
A composição
destes também é exemplar apostando em um design “fofo” com expressões
exageradas e personificadas, muitas vezes cômicas, como quando mostram
curiosidade, espanto ou gargalham. Essa característica se junta às primeiras
cenas em que eles aparecem, onde a morte nunca aparece de fato, mas sempre
exerce sua iminência, como na excelente cena da praia.
As cores do
álbum utilizam três tons. O preto o branco e um esverdeado, remetendo ao bem,
ao mal e às zonas de intersecção que constituem toda história complexa. As
cores são realçadas em vários momentos pela simplicidade do traço, simplicidade
esta sempre empregada com acerto. Às vezes, para reduzir a história a sua ideia
essencial, como quando Pinô vê a tartaruga gigante e o espaço ao redor se
resume a traços enfatizando a tópico da cena, ou seja, o confronto. Por outro
lado, em vários momentos, o recurso auxilia na narrativa do evento épico por
intermédio da simplicidade do código, como na impressionante página em que Pinô
segue a tartaruga e o cenário se resume a blocos quadrados, remetendo a própria
estrutura em quadrinhos e explorando apenas o personagem em relevo.
Gustavo
Duarte encerra seu Monstros! como
qualquer boa história de pescador, entre o fantástico e o real. No percurso nos
encantamos com uma série de Easter eggs
que remetem não apenas à obra do próprio Gustavo como também se relacionam com
modelos conhecidos do mundo em que vivemos, sobretudo com os amigos de Pinô
(que duvidam de sua história) e que tem a aparência de músicos famosos como
Roger Moreira e Flea. Monstro! ao
mimetizar pessoas reais em contextos ficcionais, usa do conhecido como forma
desestabilizadora e, dando mais uma volta no parafuso, nutre o real também do
inusitado. Exclamativo e discreto.
DUARTE, Gustavo. Monstros!
São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
Autor: Daniel Baz
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