quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Entre a exclamação e a mudez




Quando um monstro gigante ataca uma cidade, o repertório de conseqüências é um só: gritos, lamentos e um herói, pautado pela arquetípica personificação poderosa do bem, que pode ter músculos do tamanho de paralelepípedos, uniforme tecnológico e olho de besouro, ou algum super-poder a altura da empreitada. Estamos acostumados com grande parte disso, no mínimo desde o clássico Gojira, de Ishirô Honda, em que os fundamentos do “gênero” são construídos. Mas, na nossa brejeira brasilidade, uma pergunta sempre ecoou sob este imaginário tão nipônico quanto canônico: e se fosse o Brasil?
Gustavo Duarte, na sua nova, e genial, Graphic Novel Monstros!, explora esta inquietante possibilidade ao narrar o ataque de três monstros gigantes à cidade de Santos. O autor é conhecido pelo seu trabalho com charges no jornal Lance! e pelos seus três álbuns, bem mais curtos, anteriores, Có!, Táxi e Birds, que lhe renderam uma porrada de prêmios HQ Mix.
Seu mais novo trabalho, começa subvertendo tudo que já sabíamos a respeito de ataques de monstros ao investir em uma narrativa muda, sem falas, onomatopéias ou recordatórios. Sendo assim, a atmosfera barulhenta, geralmente responsável pela atmosfera trágica, épica e caótica deste tipo de situação é abandonada em prol de um tratamento diferenciado. Duarte brinca com o comportamento exclamativo (presente já no título do trabalho) comum a este tipo de material narrativo e trata o ataque pela perspectiva do silêncio. Sobram as imagens e o imenso talento do quadrinista.
Para suprir a ausência de sons, o autor explora todo tipo de recurso visual. A começar pela genial angulação de todo o álbum. As escolhas de ângulo e de perspectiva são importantes, pois se situam, na maioria das vezes, em lugares inesperados do cenário, o que sugere a maneira como as criaturas alteram a lógica do mundo, nos fazendo olhá-lo de formas nunca antes vista. Uma cena exemplar do método é aquela que se coloca da perspectiva de dentro de uma ossada de um dinossauro gigante. Perspectiva que inverte a lógica tradicional da extereorização das criaturas. A multilplicidade de ângulos também é uma forma bem sucedida de lidar com as duas escalas exploradas pelo quadrinho, a macro, dos monstros, e a micro, dos homens. Dois planos que se confrontarão na figura de Pinô, o improvável herói desta história.
Dono de um bar e, como descobriremos ao fim, com um passado de envolvimento com todo tipo de fenômeno fantástico, Pinô é um show de composição. Armado com o misterioso líquido que conservam os ovos em qualquer típico boteco brasileiro e com um palito de dentes saindo dos bigodes (ótimo advérbio para despreocupação e despretensão que o envolvem o simpático idoso), ao fim ninguém duvidará da competência do senhor para lidar com os colossais inimigos. E após termos acesso a vários pontos de vista do ataque, é com Pinô que seguiremos até o final da história.
A composição destes também é exemplar apostando em um design “fofo” com expressões exageradas e personificadas, muitas vezes cômicas, como quando mostram curiosidade, espanto ou gargalham. Essa característica se junta às primeiras cenas em que eles aparecem, onde a morte nunca aparece de fato, mas sempre exerce sua iminência, como na excelente cena da praia.
As cores do álbum utilizam três tons. O preto o branco e um esverdeado, remetendo ao bem, ao mal e às zonas de intersecção que constituem toda história complexa. As cores são realçadas em vários momentos pela simplicidade do traço, simplicidade esta sempre empregada com acerto. Às vezes, para reduzir a história a sua ideia essencial, como quando Pinô vê a tartaruga gigante e o espaço ao redor se resume a traços enfatizando a tópico da cena, ou seja, o confronto. Por outro lado, em vários momentos, o recurso auxilia na narrativa do evento épico por intermédio da simplicidade do código, como na impressionante página em que Pinô segue a tartaruga e o cenário se resume a blocos quadrados, remetendo a própria estrutura em quadrinhos e explorando apenas o personagem em relevo.
Gustavo Duarte encerra seu Monstros! como qualquer boa história de pescador, entre o fantástico e o real. No percurso nos encantamos com uma série de Easter eggs que remetem não apenas à obra do próprio Gustavo como também se relacionam com modelos conhecidos do mundo em que vivemos, sobretudo com os amigos de Pinô (que duvidam de sua história) e que tem a aparência de músicos famosos como Roger Moreira e Flea. Monstro! ao mimetizar pessoas reais em contextos ficcionais, usa do conhecido como forma desestabilizadora e, dando mais uma volta no parafuso, nutre o real também do inusitado. Exclamativo e discreto.


DUARTE, Gustavo. Monstros! São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

Autor: Daniel Baz

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