sábado, 21 de julho de 2012

A poética dos galhos curtos


Existem obras que são vendidas junto com sua poética, no modo pague um - leve dois. Ao adquirir seu exemplar, a própria leitura irá concretizar uma imagem dinâmica indissociável de qualquer proposta hermenêutica que seja construída após. Este é o caso do livro Bonsai, do chileno Alejandro Zambra, um dos melhores autores latino-americanos da nova geração.
Estamos diante de uma história de amor, entre Julio e Emilia, e já na primeira frase do romance sabemos que esta história não deu certo, que Julio ficará sozinho e que Emilia morreu. De forma compacta, a trama cabe em uma frase, que o narrador revela ainda no primeiro parágrafo “No final, Emilia morre e Julio não morre. O resto é literatura:” (p. 12). A voz narrativa é honesta, em Bonsai tudo passa pelo crivo das letras, felizmente, não pelo do pedantismo. Até mesmo as inspirações sexuais do casal são tiradas dos livros. Contudo, o intertexto principal da ficção de Zambra é o conto Tantalia, de Macedônio Fernandez, sobre um casal que resolve criar uma planta como símbolo de seu amor e percebe que ambos teriam a mesma vida útil.
É daqui que se extrai a poética criada pela obra. Resumida ao fim do livro, “Cuidar de um bonsai é como escrever, pensa Julio. Escrever é como cuidar de um Bonsai”. Na epifania, o mesmo conteúdo é expresso em duas frases trocando os itens do sujeito de verbo para predicativo da comparação. O efeito de espelhamento é preservado, num jogo de referências circulares que se reproduzem a todo momento. A história vem encaixada em forma de galinhos no desenvolvimento das vidas dos heróis, em situações que se explicam mutuamente.
Num dos pontos, Julio, que após se separar de Emilia, vive com Maria, passa a trabalhar de copista do escritor Gazmuri. Quando ela pergunta de que se trata o romance, o personagem, que ainda não tinha acesso a esta informação, conta uma história muito parecida com a de Macedônio, mas troca a planta por um Bonsai. Após descobrir que não ficará com o emprego, continua mentindo para Maria, produzindo a história do romance Bonsai, isto é, se dedicando ao enredo que inventara. Isso ocorre até o ponto em que Gazmuri publica seu livro, chamado Sobras, cujo título é o mesmo da quarta parte do romance Bonsai que você está lendo. Confuso? Na verdade, tudo isso vem de forma muito natural na leitura, devido principalmente a outra característica da poética de Bonsai, a contenção.
A imagem de poda ao texto, de aparo com as pontas e cuidado com os galhos muito longos materializa uma escrita enxuta e precisa. “Mas nesta história a mãe de Anita e Anita não importam, são personagens secundários.” (p. 42), diz o narrador numa das podas mais explícitas que empreende. Entretanto, a contenção não impede o uso da linguagem como forma de produzir realidades novas a partir de situações sintáticas atípicas, como “porque poucos dias depois de completar trinta anos Emilia morreu, e então não fez mais aniversário porque começou a estar morta”, escolha que condiz com a presença da personagem até o fim da narrativa.
Outro ponto de destaque revela com mais clareza a característica contida do texto: “A história de Julio e Emilia continua mas não prossegue” (p. 36), trecho em que o par continuar/prosseguir sinaliza para os limites da narrativa, ou melhor, para a lacuna entre plano de expressão/plano de conteúdo. Dessa forma, o conteúdo rompe com os meios expressivos e o condena a tatear em um universo em que o principal já foi estabelecido, onde o ápice, o nó e o conflito já estão dados. O resto, como foi dito no início, é literatura.  Este trecho faz par com “A historia de Julio não termina, ou melhor, termina assim.” (p. 88), em que mais uma vez sabemos de antemão que o aspecto expressivo está aquém do semântico.
Basta lembrar que não há descrições, ou seja não se limitam estados para os fenômenos em imagens estáticas do mundo, mas apenas dinâmicas. Tudo existe na narrativa, nos atos dos seres, mas, como já sabemos o que acontecerá e qual o resultado destes atos, compactuamos com a presença de uma forma breve e sintética. A poética se faz vencer na prática.
Em alguns momentos, entretanto, o autor sabe tirar da frase mais longa o efeito pretendido: “Numa noite especialmente feliz, Julio leu, meio de brincadeira, um poema de Ruben Darío que Emilia dramatizou e banalizou até transformá-lo num verdadeiro poema sexual, um poema de sexo explícito, com gritos, com orgasmos”. Aqui o fôlego da frase funciona homólogo a transformação do conteúdo expresso por ela, temática central no livro, já que a importação de uma realidade literária para a vida cotidinana está na base de todas as principais imagens de Bonsai.
Falar de imagens sem mencionar o projeto gráfico do livro seria um disparate. A edição apresenta um pontilhado que produz um quadrado dentro da página que pode ser recortato, podado como um Bonsai. Esta ênfase na materialidade do projeto produz um efeito sensacional. Principalmente pelo fato de a obra de arte literária ser um objeto essencialmente transcendente. Ou seja, seu sentido, geralmente, não se vincula ao meio em que ela é difundida. Sua textualidade não faz parte de sua materialização objetal. Entretanto, há casos em que alguns limites são transpostos, quando se ensaia novas formatações que mesclam a textualidade com a imanência do veículo. Estamos longe da singularidade de uma escultura, pois a edição pode ser impressa em quantidade, mas a ênfase na mídia sem dúvida orienta a percepção estética para novas maneiras de emoldurar a recepção. Um ganho a mais em um livro paradoxal, ao mesmo tempo metaléptico e enxuto.




ZAMBRA, Alejandro. Bonsai. São Paulo: Cosac Naify, 2012.

Autor: Daniel Baz

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