Existem obras
que são vendidas junto com sua poética, no modo pague um - leve dois. Ao
adquirir seu exemplar, a própria leitura irá concretizar uma imagem dinâmica
indissociável de qualquer proposta hermenêutica que seja construída após. Este é o
caso do livro Bonsai, do chileno Alejandro Zambra, um dos melhores autores latino-americanos
da nova geração.
Estamos
diante de uma história de amor, entre Julio e Emilia, e já na primeira frase do
romance sabemos que esta história não deu certo, que Julio ficará sozinho e que
Emilia morreu. De forma compacta, a trama cabe em uma frase, que o narrador
revela ainda no primeiro parágrafo “No final, Emilia morre e Julio não morre. O
resto é literatura:” (p. 12). A voz narrativa é honesta, em Bonsai tudo passa pelo crivo das letras,
felizmente, não pelo do pedantismo. Até mesmo as inspirações sexuais do casal
são tiradas dos livros. Contudo, o intertexto principal da ficção de Zambra é o
conto Tantalia, de Macedônio Fernandez, sobre um casal que resolve criar uma
planta como símbolo de seu amor e percebe que ambos teriam a mesma vida útil.
É daqui que
se extrai a poética criada pela obra. Resumida ao fim do livro, “Cuidar de um
bonsai é como escrever, pensa Julio. Escrever é como cuidar de um Bonsai”. Na
epifania, o mesmo conteúdo é expresso em duas frases trocando os itens do
sujeito de verbo para predicativo da comparação. O efeito de espelhamento é
preservado, num jogo de referências circulares que se reproduzem a todo momento.
A história vem encaixada em forma de galinhos no desenvolvimento das vidas dos
heróis, em situações que se explicam mutuamente.
Num dos
pontos, Julio, que após se separar de Emilia, vive com Maria, passa a trabalhar
de copista do escritor Gazmuri. Quando ela pergunta de que se trata o romance, o personagem, que ainda não tinha acesso a esta informação, conta uma história muito
parecida com a de Macedônio, mas troca a planta por um Bonsai. Após descobrir
que não ficará com o emprego, continua mentindo para Maria, produzindo a história do romance
Bonsai, isto é, se dedicando ao enredo que
inventara. Isso ocorre até o ponto em que Gazmuri publica seu livro, chamado Sobras, cujo título é o mesmo da quarta
parte do romance Bonsai que você está lendo. Confuso? Na verdade, tudo isso vem
de forma muito natural na leitura, devido principalmente a outra característica
da poética de Bonsai, a contenção.
A imagem de
poda ao texto, de aparo com as pontas e cuidado com os galhos muito longos
materializa uma escrita enxuta e precisa. “Mas nesta história a mãe de Anita e
Anita não importam, são personagens secundários.” (p. 42), diz o narrador numa
das podas mais explícitas que empreende. Entretanto, a contenção não impede o
uso da linguagem como forma de produzir realidades novas a partir de situações
sintáticas atípicas, como “porque poucos dias depois de completar trinta anos
Emilia morreu, e então não fez mais aniversário porque começou a estar morta”,
escolha que condiz com a presença da personagem até o fim da narrativa.
Outro ponto de
destaque revela com mais clareza a característica contida do texto: “A história
de Julio e Emilia continua mas não prossegue” (p. 36), trecho em que o par
continuar/prosseguir sinaliza para os limites da narrativa, ou melhor, para a
lacuna entre plano de expressão/plano de conteúdo. Dessa forma, o conteúdo
rompe com os meios expressivos e o condena a tatear em um universo em que o
principal já foi estabelecido, onde o ápice, o nó e o conflito já estão dados.
O resto, como foi dito no início, é literatura.
Este trecho faz par com “A historia de Julio não termina, ou melhor,
termina assim.” (p. 88), em que mais uma vez sabemos de antemão que o aspecto
expressivo está aquém do semântico.
Basta lembrar
que não há descrições, ou seja não se limitam estados para os fenômenos em
imagens estáticas do mundo, mas apenas dinâmicas. Tudo existe na narrativa, nos
atos dos seres, mas, como já sabemos o que acontecerá e qual o resultado destes
atos, compactuamos com a presença de uma forma breve e sintética. A poética se
faz vencer na prática.
Em alguns
momentos, entretanto, o autor sabe tirar da frase mais longa o efeito
pretendido: “Numa noite especialmente feliz, Julio leu, meio de brincadeira, um
poema de Ruben Darío que Emilia dramatizou e banalizou até transformá-lo num
verdadeiro poema sexual, um poema de sexo explícito, com gritos, com orgasmos”.
Aqui o fôlego da frase funciona homólogo a transformação do conteúdo expresso
por ela, temática central no livro, já que a importação de uma realidade
literária para a vida cotidinana está na base de todas as principais imagens de
Bonsai.
Falar de
imagens sem mencionar o projeto gráfico do livro seria um disparate. A edição
apresenta um pontilhado que produz um quadrado dentro da página que pode ser
recortato, podado como um Bonsai.
Esta ênfase na materialidade do projeto produz um efeito sensacional.
Principalmente pelo fato de a obra de arte literária ser um objeto essencialmente
transcendente. Ou seja, seu sentido, geralmente,
não se vincula ao meio em que ela é difundida. Sua textualidade não faz parte
de sua materialização objetal. Entretanto, há casos em que alguns limites são
transpostos, quando se ensaia novas formatações que mesclam a textualidade com
a imanência do veículo. Estamos longe da singularidade de uma escultura, pois a
edição pode ser impressa em quantidade, mas a ênfase na mídia sem dúvida
orienta a percepção estética para novas maneiras de emoldurar a recepção. Um
ganho a mais em um livro paradoxal, ao mesmo tempo metaléptico e enxuto.
ZAMBRA, Alejandro. Bonsai.
São Paulo: Cosac Naify, 2012.
Autor: Daniel Baz
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