terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Um sítio intergaláctico: Astronauta Magnetar, de Danilo Beyruth






Sidney Gusman é o nome por trás de uma revitalização da obra de Maurício de Souza, ao idealizar os projetos MSP (50 artistas, mais 50 artistas e novos artistas), que criaram um inóspito terreno de releituras de vários personagens populares do quadrinista brasileiro. Depois do sucesso de público e crítica, o editor idealizou mais um projeto inovador: a Graphic MSP, selo em que autores do quadrinho nacional executam releituras de personagens famosos de Maurício em edições em torno de 68 páginas. Para 2013, estão previstos os trabalhos dos irmãos Cafaggi com a turma da Mônica, de Gustavo Duarte sobre Chico Bento e a releitura de Piteco por Shiko. Em 2012, o selo despontou de forma surpreendente com Astronauta - magnetar. É dele que falarei agora.
A história começa de forma inusitada, sinalizando para a mudança de perspectiva tradicional do herói intergaláctico, ao mostrá-lo jovem, na terra e, o principal, no sítio de seu avô. Se a cena importa por introduzir um aprendizado metafísico e prático que será utilizado adiante pelo herói para escapar de certo obstáculo ao fim do volume, também introduz a diferença do caráter de Astronauta – ávido por aventuras e descobertas – inserindo a temática da “vida e suas transformações” (p. 7), uma das tônicas da narrativa. A seguir, Astronauta parte em uma missão cujo objetivo é coletar dados acerca dos magnetares, estrelas de nêutrons emissoras de altos níveis de raios x e radiação gama, cercados por um anel de asteróides de metal e gelo.
Após uma rocha metálica danificar sua nave, Astronauta deve lidar com a própria solidão, tornando-se uma espécie cósmica de Robinson Crusoé. É preciso notar que a vida à deriva no espaço exige que astronauta estabeleça uma rotina de sobrevivência, o que o obriga a lidar com a ojeriza pelo cotidiano e marasmo expressada pelo herói no início do álbum, quando pensa a respeito da pacata vida do avô. O tópico ensaiado nas primeiras páginas do volume deve agora ser enfrentado pelo protagonista. Para representar esta dinâmica, Beyruth utiliza uma série de técnicas. A começar pelo teor cinematográfio da narrativa, presente em seus trabalhos anteriores, como o excelente Bando de dois e a sua fetichização do cinema italiano de faroeste. Aqui, quadros horizontais (p. 24-25, 66-67, 31, por exemplo), simulam a tela cinematográfica e o andamento em cenas da ação. Além disso, este recurso empresta uma carga contemplativa à narrativa afinada com a passividade do herói.
Além disso, são muitas as referências ao cinema de ficção científica. Para ilustrar, tem-se a enigmática (quase um easter egg) referência a Alien: o oitavo passageiro, de Ridley Scott (na surpreendente página 42), justamente no momento em que Astronauta suspeita não estar mais sozinho na nave, o que o deixa paranóico e transforma a história em uma observação psicológica do isolamento. Além disso, tem-se a linda referência a 2001: uma odisséia no espaço, de Stanley Kubrick, quando Astronauta, na linha de David Bowman, tem visões reveladoras de sua própria identidade.
O ritmo visual do quadrinho é impressionante, alterando as tais tomadas cinematográficas - nos momentos de aventura, principalmente - com páginas inteiras e duplas (em momentos de imensidão ou de forte teor psicológico) e com a experiência ascendente do tédio, culminando na genial cena (p. 38-41) em que temos página após página o aumento de vinhetas dentro do quadro, reproduzindo a mesma sequência de desenhos (astronauta comendo, usando o banheiro, se exercitando, etc.), com o intuito de significar a exaustiva e repetitiva rotina diária do herói. O quadrinho sinaliza para a própria forma, num exercício de captação do tempo poucas vezes visto. A montagem dialética, em tese e antítese, também rende bons momentos, como na transição da cena 45 para 46 em que Astronauta monta uma armadilha para o intruso e cai nela ele mesmo. A cena, por um lado, demonstra a paranóia do personagem que é seu próprio inimigo, mas também revela a inconstância de sua situação mental, cheia de altos e baixos (Astronauta em pé e decidido x Astronauta caído e confuso). Assim, o interior do personagem guia as escolhas técnicas da história.
Por fim, vale falar um pouco das cores feitas por Cris Peter, uma das profissionais mais competentes do quadrinho nacional. São várias as decisões acertadas da colorista: o tom alaranjado da primeira cena, remetendo ao calor mútuo da vida no sítio do avô; o azul do espaço e do gelo, em contraste com o rosa incidental e, aos poucos, cada vez mais presente nos momentos de revelação e de experiência quase extracorpórea que Astronauta vive (reforçada por uma cor tão distante do ambiente representado); a transição do negro - referência ao espaço e a morte iminente do protagonista – para o branco (73-74), culminando na atenuante (talvez até demais) página final.
Enfim, Astronauta Magnetar é mais um quadrinho brasileiro no topo dos últimos lançamentos. Além disso, indo do interior regionalista do país ao espaço sideral, da normalidade do núcleo familiar ao devaneio metafísico mais impressionante, este primeiro álbum da Graphic MSP parece representar os limites do imaginário do romance gráfico brasileiro atual.

BEYRUTH, Danilo. Astronauta – Magnetar. São Paulo: Panini, 2012.


Autor: Daniel Baz

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