sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Pataquada: A separação

O filme A separação (Jodaeiye Nader az Simin), de Asghar Farhadi, me deu uma aula de literatura. A cada cena, não conseguia tirar da cabeça os lugares em que um narrador pode se colocar ao contar uma história e como isso pode arruinar ou salvar a trama exposta. Começamos num ângulo audacioso. O ângulo que Kafka sempre evitou, o do juiz. E percebemos que este é o pior lugar possível para se estar. Se em Kafka este ângulo não surgia, pois poderia atenuar a angústia, aqui, é angustiante saber que, de saída, não há sentido latente nas relações. O diretor, ao escolher a câmera subjetiva da primeira cena, a associa ao ponto de vista de alguém, isto é, a uma visão de mundo específica. Sabemos que cada lugar da câmera suporta uma consciência neste filme. Somos testados então a habitar a perspectiva de crianças, adultos e idosos. Cada um apresenta uma peça, que em alguns casos pertencem a quebra-cabeças diferentes. Obviamente, a câmera no último plano está afastada. O filme não acabou e um vidro fatia o universo. Os créditos sobem, mas ainda vemos os atores por detrás. O filme não acabou e os créditos nos orientam. Estamos definitivamente do lado de cá da história. Aquela não é uma câmera objetiva, como podemos pensar apressados, mas importa nossa subjetividade para a tela (ver os créditos é uma posição essencialmente extra-diegética). Só essa posição nos é dada. Sentimos um exercício multifocal comparável às narrações literárias de várias perspectivas. Chaucer, Faulkner, Huxley, Lúcio Cardoso, Erico Veríssimo, Choderlos de Laclos. Como é bom pensar tanto em vocês e aproveitar o filme. Obrigado, literatura.


Autor do texto: Daniel Baz dos Santos

3 comentários:

  1. oi daniel, mais uma vez eu...
    sugestão para uma leitura instigante sob o ponto de vista da narratologia estilhaçada:
    LINS, Osman. Avalovara.
    é experimentalismo sob todas as formas...
    raquel

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    1. Mais uma vez, obrigado pela sugestão. Adoro este romance, mas, na hora, não lembrei dele. Estamos preparando um programa só com textos experimentais. Catatau, João Miramar, Avalovara, etc...

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  2. não esquece da clarice, sim!!
    e de um gaúcho, que foi meu colega de doutoramento, já falecido, chamávamos de "jacaré", luis sérgio metz; vale conferir...

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