domingo, 26 de agosto de 2012
O Pato Fáustico - O mapa e o território, de Michel Houellebecq
O polêmico Michel Houellebecq está no Pato Fáustico de hoje, em que analisaremos seu último romance, O mapa e o território. Mercado da arte, industrialização e esquartejamentos temperam a discussão. Aproveitem!!!
O novo romance de Michel Houellebeqc: mapa selado, território livre
“Avanço um
pouco mais na floresta. Além da colina, diz o mapa, estão as fontes do Ardèche.
Isso não me interessa mais. A paisagem é cada vez mais suave, agradável,
alegre. Sinto dor no corpo. Estou no meio do abismo. Sinto o meu corpo como uma
fronteira, e o mundo exterior como um esmagamento. A impressão de separação é
total. Passo a ser prisioneiro de mim mesmo. A sublime fusão não acontecerá. A
vida perdeu a finalidade. São duas horas da tarde.”
(de Extensão do
domínio da luta)
Uma antiga
crença conta que as narrativas são imitações de ações. A crença continua em
voga, ainda que hoje ela deva levar em conta as inúmeras descontinuidades que
fundamentam os modelos de representação. Em O
Mapa e o território, de Michel Houellebecq, a realidade e o modelo que a
apreende se conjugam no exercício de estilo que lhe rendeu o Goncourt em 2010.
A história
acompanha a trajetória de Jed Martin, artista plástico com um percurso no
mínimo interessante. Ele começa fotografando ferramentas para provar a tese de
que “a história da humanidade podia em grande parte se confundir com a história
do domínio dos metais” (p. 43); a seguir, fotografa os mapas dos guias
Michelin, na exposição denominada “O MAPA É MAIS INTERESSANTE QUE O TERRITÓRIO”;
por fim, pinta a óleo uma série de profissões (açougueiro, gerente de
bar-tabacaria), produzindo pelo menos uma de suas obras-primas, chamada “Bill
Gates e Steve Jobs discutem o futuro da informática”.

É ao retratar
a própria profissão, no quadro “Damien Hirst e Jeff Koons dividem entre si o
mercado da arte”, que Jed pela primeira vez tem problemas criativos e, num impulso
destrutivo, rasga o que havia feito. Logo após o ocorrido, seguindo uma
sugestão de seu galerista, decide pedir a um grande escritor francês que
prepare um texto para o catálogo de sua exposição. O escritor trata-se de - nada
mais nada menos - que o próprio Michel Houellebecq. É certamente neste momento
que todas as reflexões feitas acerca da arte no decorrer do livro, assim como a
natureza sarcástica de sua obra, podem ser vista em comunhão.
Entretanto,
antes de seguir esta intuição, é necessário explorar algumas características
deste romance de Houellebecq. O narrador de O
mapa e o território, em terceira pessoa, se assemelha com outros textos do
autor. Trata-se de uma voz distanciada da matéria narrada, irônica, cínica, e
produtora de um sarcasmo que vem marcando o tom de toda a produção de Houellebecq, desde o primeiro romance, ainda que este seja narrado em primeira pessoa. É comum
que ele não hierarquize nada, chegando ao radicalismo de, em certas cenas, se
distanciar do tema mais importante para enfatizar episódios laterais.
Isso ocorre,
por exemplo, na terceira parte do romance. Na cena mais impactante da obra, o
foco afasta-se da imagem central de um crime para falar das moscas que cercam o
recinto: “Cada fêmea de Musca domestica é
capaz de botar até quinhentos ovos, às vezes mil ovos. Esses ovos são brancos e
medem cerca de 1,2
milímetro de comprimento. No fim de um único dia, as
larvas os abandonam; elas vivem e se alimentam da matéria orgânica (geralmente
morta e em vias de decomposição avançada, como um cadáver, detritos e
excrementos)” (p. 257)
O cinismo do
narrador, apesar de presente em muitos trechos da obra, obviamente atinge o
ápice na retratação do próprio autor, que não economiza os irônicos epítetos
como “o autor de Partículas elementares”, ou “o autor de Plataforma”, ainda que
o próprio escritor se descreva da seguinte forma: “tenho micoses, infecções
bacterianas, um eczema atípico generalizado, é uma verdadeira infecção, estou
apodrecendo e ninguém dá a mínima, ninguém pode fazer nada por mim, fui
vergonhosamente abandonado pela medicina, o que ME resta fazer? Me coçar, coçar
sem parar, minha vida agora é isso: uma interminável sessão de coceira...” (p. 165).
Houellebecq
trabalha melhor com personagens ideólogos que polemizam e defendem teses sobre
assuntos específicos, o que só aumenta a estratificação da sociedade descrita
em seus livros, já que todos detêm modelos particulares para explicar
determinados fenômenos do mundo. Vale lembrar que o próprio Jed está alienado
de relações afetivas duradouras, das quais as mais importantes são também as
mais problemáticas, isto é, sua relação com o pai e com o romancista
contratado. Durante o enredo, o narrador e o protagonista também não poupam
opiniões sobre os mais diversos assuntos, mas mais uma vez é Houellebecq quem
se destaca, como sua predileção por porcos (p.129), seu lamento pela extinção
dos produtos manufaturados (p. 159), sua postura frente à literatura (p. 156-157), suas ideias sobre a distinção
entre cães e pássaros (p. 241), e claro, sobre a arte. O autor não opina apenas
a respeito da obra de Martin (p. 176), mas também equipara o método de
Botticelli, Leonardo e Rembrandt ao de Koons e Hirst (p. 212), explicando que todos, de certa forma, terceirizaram a produção artística. São consideradas
ainda, as opiniões de Jasselin, detetive que aparece na terceira parte, sobre a
hierarquia da brigada militar (p. 267), e sobre a insignificância da economia (p.
310), para ficarmos em poucos exemplos. Sendo assim, a permanência dos diálogos
socráticos no romance, algo que Schlegel já notara e que se popularizou com
Bakhtin, mais uma vez se mostra uma dimensão fundamental para a compreensão do
gênero. O trajeto dos homens está associado as ideias que eles emitem. A significação do romance é antes de mais nada um grupo d eimagens de ideias.
Entretanto, a
estratégia do autor francês que mais causou polêmica foi o uso de verbetes da
Wikipédia na confecção do romance, o que de fato está em sintonia com o todo da
obra. No final do romance, o próprio autor-narrador, provocativo, agradece a
enciclopédia virtual pela ajuda. O romancista põe em questão o valor da qualidade
autoral para a arte, o que fortalece a escolha de Jeff Koons, retratado por
Jed, visto que o pintor recebeu uma série de processos envolvendo direitos
autorais desde a década de 80.
A estética sempre permitiu vários graus de apropriação
das coisas como elas se apresentam no mundo. Cubismo e dadaísmo que o digam. Porém, se a
ideia de ver o banal como arte um dia foi estética, o foi pelo caráter inovador
e contestatório. Isto é, a prática hoje em dia perdeu o impacto, ou seja, não
mais permite a renovação da percepção ao investir em gatos feitos de flores e
tubarões de dentes de ouro. Entretanto, no livro de Houellebecq a polêmica não
tem fundamento, visto que, como numa colagem cubista, as informações usadas
apenas complementam o todo estético da obra, convivendo com a realidade formal
de seu todo constitutivo.
Pois bem, em
determinado momento, Jed decide retratar Houellebecq e ao terminar o quadro,
o oferece de presente ao escritor. Ao iniciar a terceira parte do romance,
descobrimos que Houellebecq foi morto, esquartejado por alguém que roubou a
caríssima pintura. A morte do autor é miserável, enterrado em um caixão de
criança e batizado, após uma vida negando Deus. Esta imagem deve ser mediada
com o final do protagonista. Este termina a vida filmando objetos industriais
circundados por vegetais e isso simplifica o livro, evocando a epígrafe deste
texto, o desfecho de seu primeiro romance, em que a natureza explicita a
alienação do indivíduo. A máquina fotográfica de Jed - com
padrões pré-concebidos para retratar o mundo (existe um modelo para se tirar
fotografias de “bebês” ou “fogos de artifício”, por exemplo) é sintoma do maior
terror dos personagens de Houellebeqc, perceber que os simulacros inventados
até então não são suficientes para explicar o mundo, ou pior, que no mundo há
algo além destes simulacros com os quais já estamos acostumados.
A cartografia
e o desenvolvimento industrial, portanto, são complementares e há de fato uma
série de conexões entre os espaços que deixam de ser abstrações para o homem
contemporâneo e o desenvolvimento de uma nova consciência acerca do capitalismo,
aquela que revela que, hoje, a modernidade não é mais exclusiva a determinados
grupos. Por isso, a antinomia vegetação/capitalismo criada ao fim do livro,
mais do que esboçar uma alternativa, serve para enfatizar o sentimento de perda
inalienável do dualismo do homem (pós) moderno.

HOUELLEBEQC, Michel. O mapa e o território. Rio de Janeiro: Record, 2012.
Autor: Daniel Baz
domingo, 19 de agosto de 2012
O Pato Fáustico - Diomedes, de Lourenço Mutarelli
Neste Pato Fáustico analisamos um clássico dos quadrinhos nacionais: "Diomedes: a trilogia do acidente", de Lourenço Mutarelli. Mistério, aventura e arte num relançamento fundamental. Aproveitem!!!!!
A fantasia não é um acidente em Diomedes, de Lourenço Mutarelli

Se o
exercício trata-se de uma grande dedicatória de Lourenço a todos os mestres e
personagens que admira, o trecho também serve para mostrar o abismo entre seu
(anti?)-herói e seus pares mais célebres. O espírito aventuresco de Hergé? Sim,
mas com tiroteios e baixo calão. O espírito cômico de Aragonês? Sim, mas com
Schopenhauer e Sartre. O espírito heróico de Stan Lee? Talvez, talvez. Diomedes
está de perfil, os vingadores estão de frente e parecem que o atacam, mas só o
detetive brasileiro se move. Este é o seu mundo. O ápice ocorre quando o herói,
para melhor transitar pelo festival, se traveste de Pikachu, pondo o patético e
o paródico em pé de igualdade e podendo, enfim, habitar o universo do qual
proveio com mais naturalidade. Além disso, aqui a criatura encontra Zigmundo
Muzzarela, o alter ego do criador, num esforço metalinguístico que denuncia os
inúmeros níveis pelos quais estamos transitando.

E que dizer do pobre palhaço Chupetin? Mesmo
falando de fenômenos sérios e complexos da existência, não consegue impedir seus
ouvintes de gargalharem enquanto discursa (p. 34-35), num conflito entre sua
aparência e aquilo que ele realmente é. Significativo, se notarmos que
descobrir o que as aparências escondem será a missão de Diomedes até o fim de
sua saga. Em certas cenas, enormes balões comprimem os personagens (p. 97),
revelando a força do dito e dos atos de fala, que podem abarcar tudo e a todos,
tornando o mundo mais perigoso. E que dizer da tocante cena final do capítulo
“O grande circo” em que vemos Diomedes se declarar para a esposa Judite - que o
trai – para depois contemplarmos uma página inteira em que, atrás do herói,
está o grande circo e tudo aquilo que ele parece não perceber, ou seja, as múltiplas
possibilidades de sua jornada (basta notar que alguns dos elementos são
elencados isolados nos quadros anteriores).
MUTARELLI, Lourenço. Diomedes. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
Autor: Daniel Baz
domingo, 12 de agosto de 2012
O Pato Fáustico - Festa no covil, Juan Pablo Villalobos
O Pato Fáustico de hoje lê Festa no covil, de Juan Pablo Villalobos. Confira a história de Tochtli, filho de um chefão do narcotráfico com um singelo desejo: ter um hipopótamo anão da Libéria. Aproveitem!!!!
Como concordar com o absurdo ou “Festa no covil”, de Juan Pablo Villalobos

O romance
começa com Tochtli demonstrando algumas das palavras difíceis que sabe:
sórdido, nefasto, pulcro, patético, fulminante. (p. 9). Na lista já há pelo menos
duas constantes que definirão a obra. Primeiramente, demonstra a linguagem natural e constatativa, típica
de dicionário, ainda que utilizada ao narrar situações nada naturais. A segunda constante, deriva da sensação de não
pertencimento, que, se começa com uma linguagem natural para falar de situações
inusitadas, dilui-se por todos os demais aspectos do texto.
Além disso, estas
palavras serão muitas vezes usadas fora do lugar apropriado, como logo na
primeira página, quando Tochtli diz que sua memória é “fulminante”. Dificuldade
em apreender o mundo pelas palavras que, ao fazer emergir sentidos deslocados
de seu uso, denotam a posição também deslocada do herói no mundo. Ainda quanto
a sua linguagem, um dos principais procedimentos utilizados pelo escritor são as
construções paratáticas, isto é, sem conectores que liguem uma frase à outra. Sendo
assim, cada período é uma realidade particular e à parte na obra. Tratam-se de
gestos autônomos que não se conectam no plano da expressão. Este uso erradica
da linguagem as relações de casualidade entre as frases, o que aumenta os
sentidos possíveis e subverte o tema da hereditariedade, central durante todo o
livro. O trabalho interpretativo também é mais enfatizado, pois as lacunas são
muito mais substanciais, o que ajuda a representar a natureza fragmentária da forma
como o menino compreende o mundo. Ao privar a linguagem das estruturas
conectoras, o autor realça sua inconseqüência, sua gratuidade, e explora o
caráter gratuito e alógico também da realidade, ao privá-la dos procedimentos lógicos
de construção.
Outro recurso
particular presente na linguagem do menino são as estruturas de generalização,
seguidas de particularização. Estas são da mesma natureza do fenômeno anterior,
afinal, unem duas realidades, uma macro e outra micro, num jogo de idas e
vindas que representam a situação narrativa. A saber: um contexto amplo e
complexo visto pelos olhos de um indivíduo muito peculiar. Alguns dos exemplos
são:
“E não é só
esse filme que sei de cor, sei muitos outros, quatro.” (p. 12)
“É por isso
que conheço poucas pessoas, treze ou catorze.”(p. 15)
“Eu tenho
muitos chapelões de charro, seis.
(p. 30)
As passagens
que unem tudo que foi dito até aqui são intensas, como no seguinte monólogo
muito esclarecedor de Tochtli: “Na verdade existem muitos jeitos de fazer
cadáveres, mas os mais usados são com os orifícios. Os orifícios são buracos
que você faz nas pessoas para o sangue vazar. As balas de revólver fazem
orifícios. Os orifícios são buracos que você faz nas pessoas para o sangue
vazar. As balas de revólver fazem orifícios e as facas também podem fazer
orifícios. Se o seu sangue vaza, chega uma hora que o coração ou fígado param
de funcionar. Ou o cérebro também morre. E você morre.”(p.16)
Neste ponto,
o único uso de conexão textual é dado pela coordenação (procedimento que mantém
as frases em autonomia), ou pelo link condicional “se”, que serve como um
conector interno e não entre frases. Contudo, apesar da sintaxe frouxa, a obra
não se furta a produzir analogias que auxiliem a interpretação, como metáforas
muito bem utilizadas, das quais se destaca aquela que utiliza os animais que estão
presos na casa de Youcault, como tigres e leões. Eles simbolizam a ferocidade
latente do lugar, além de também representarem elementos que não deviam estar
ali, seres deslocados, fora de seu habitát natural, como o garoto.
Falamos antes
da relação entre microcosmos e macrocosmos que se conjugam durante todo o
texto. Uma das mais fortes refere-se a uma ideia de nação que pode ser
construída a partir do livro. As próprias contradições pelas quais passam o
garoto podem ser traduzidas como sintomas do terceiro mundo, como fica claro
em: “Parece que a Libéria é um país nefasto. O México também é um país nefasto.
É um país tão nefasto que você não pode conseguir um hipopótamo anão da
Libéria. O nome disso na verdade é ser de terceiro mundo.”
Resta ao fim,
um mundo invertido, ás avessas, que perdeu as referências compartilhadas pelo
consenso, ainda que construído por uma lógica clara e objetiva. “A vantagem da
beira da extinção é que ainda não é a extinção” (p. 52), diz Tochtli em certo
momento. Com frases equilibradas como essa, Villalobos nos ensina o difícil,
mas necessário exercício de concordar com o absurdo.
VILLALOBOS, Juan Pablo. Festa no covil. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
Autor: Daniel Baz
sábado, 4 de agosto de 2012
O Pato Fáustico - Ar de Dylan, de Enrique Vila-Matas
No programa de hoje lemos Ar de Dylan, de Enrique Vila-Matas. Livro que consagrou o escritor espanhol de uma vez por todas em sua terra natal. Confira esta obra que sintetiza o trajeto de um dos autores mais destacados dos últimos tempos!!
A sociedade nada secreta de Enrique Vila-Matas
Vila-Matas é
um obsessivo. Um monomaníaco. Nutre uma devoção doentia pelos duplos, pelas
estruturas em abismo, pelas coincidências, pelas sociedades secretas e, é
claro, pelo seu habitat mais natural – a ficção. Quem conhece sua obra, sabe
que pode esperar um universo infinito de espelhamentos, de citações, o que o
destaca no contexto contemporâneo da hipertextualidade. Afinal, foi ele quem
idealizou o “mal de Montano”, que caracteriza alguém obcecado por livros, foi
ele quem criou os shandys, obcecados
por literatura portátil, é de sua imaginação que surgiram os “bartlebys”
modernos, sescritores que simplesmente preferem não fazer seu trabalho. Contudo, mais
do que unicamente se preocupar com a demonstração da multiplicidade dos
caminhos em tempos atuais, o escritor espanhol parece obcecado com uma
constatação muito mais perturbadora, todos eles já foram percorridos.

A narração em
primeira pessoa vem encaixada com outros trechos que dominam a narrativa e são
narrados também na primeira pessoa, mas de Vilnius. Uma escolha que separa o
texto em camadas, combinando um repertório repleto de níveis diegéticos. Neste aspecto,
o intertexto continua parte fundamental do sentido das obras de Vila-Matas. As
citações explícitas e implícitas servem para sinalizar para fora das fronteiras
da fábula, induzindo o leitor em discrepantes zonas textuais que aliam
Shakespeare, Kafka, o cinema dos irmãos Cohen, Knut Hamsun, e, claro, Bob
Dylan.
O aspecto
intertextual da composição dos textos de Vila-Matas, ao lado do encaixe
narrativo, é uma de suas tantas formas de desconvencionalizar os limites da ficção,
ao enfatizar a artificialidade dos contornos dos muitos textos que se interpenetram,
pondo em relevo sua característica montável. Principalmente pelo fato de que, tanto
a vida das personagens, quanto a ficção (neste texto, geralmente na forma do
teatro, que intitula três dos quatro capítulos nomeados do livro) são
submetidas à mesma entonação narrativa. O drama de Vilnius, por exemplo, no seu
conflito com o pai, é a microtrama que introduz o problema da filiação, esboçada
também nas relações intertextuais. Da mesma forma, Bob Dylan, mais do que ser o
homem de múltiplas faces, símbolo dos tempos atuais, é também um exemplo de
alguém que aprendeu a romper com suas influências, no famoso episódio de sua
desfiliação com o folk.
Dessa forma,
sua vida permite que se qualifique uma ficção de múltiplas personalidades (Ar de Dylan mistura mistério, melodrama,
ensaio, aventura), além de esboçar o conflito da “angústia da influência”, como
tratada por Harold Bloom. Este sendo um dos tópicos mais recorrentes na obra do
escritor espanhol. A história da literatura para Vila-Matas é um combate entre
filhos desgarrados tentando livrar-se das influências dos pais, que lhes
assombram com sua memória e experiência. As relações não respeitam a cronologia
da história literária. Como no sistema descrito por TS Elliot, em “Tradição e
talento individual”, a literatura é um grande complexo sincrônico em que Bob
Dylan pode influenciar Kafka (p. 303), por exemplo.

Por fim, é
preciso mencionar a criação de sociedades secretas por parte dos personagens do
romance, outra obsessão de Vila-Matas, que também retorna com força aqui. Neste
caso, os protagonistas fundam a conjura dos "infraleves", grupo que tem o
objetivo de produzir uma ideia por dia, mas esquecê-la logo após tê-la
comunicado. A ideia de grupos com certas afinidades que se deslocam da
totalidade social para oferecer uma imagem dela, vem complementar a imagem do
texto parasitário que vive de si. O mundo é um conjunto de complexos textuais e
humanos que se interpenetram e que convivem com a impossibilidade da literatura
e da realidade total. Num cenário desta natureza, o autor confia nos pequenos
núcleos, fragmentos da sociedade, que, unidos por crenças que lhes unificam, formam
pequenas totalidades. Estes grupos dedicam suas vidas aos textos. Esta parece
ser uma imagem símbolo desta sociedade nada secreta que Vila-Matas inventou,
composta por aqueles que não podem optar entre vida e literatura, pois não
saberiam dizer onde termina uma e começa a outra.
VILA-MATAS, Enrique. Ar
de Dylan. São Paulo: Cosac Naify, 2012.
Autor: Daniel Baz
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