
Para isso,
Zambra investe em um enredo simples: o escritor Julián espera a chegada de
Verónica, sua esposa, enquanto conta histórias sobre a vida privada das árvores
para fazer a filha dela (e sua enteada), Daniela, dormir. Esta ideia da
“história dentro da história” ilumina o caráter autorreflexivo e significante
do texto, o que se alia ao seu teor metalinguístico, algo claro desde suas
primeiras páginas, quando o narrador se protege da expectativa do leitor, anunciando
que não há um antagonista para movimentar a narrativa: “Pois não há, na
verdade, um inimigo. E o problema é justamente este, não haver inimigos nesta
história: Verônica não tem inimigos, Julián não tem inimigos, Fernando não tem
inimigos, e Daniela, descontando um coleguinha folgado que vive fazendo caretas
para ela, também não tem inimigos.” (p. 12). Por este caminho, explorando a
literatura dita “de criação”, o narrador mantém a história e o seu exercício em
sincronia, numa refração que irá ser coerente com a temática principal da obra,
tornando sua experiência mais angustiante:
“Por enquanto
Verónica é alguém que não chega, que ainda não voltou de sua aula de desenho.
Verônica é alguém que falta, levemente no cômodo azul – o cômodo azul é o
quarto de Daniela [...]” (p. 12)
A ausência da
mulher, que se encontra na sua aula de desenho, é a condição para a existência
do romance: “O romance continua, embora só para render-se ao capricho de uma
regra injusta: Verônica não chega.” (p. 52). Este, por se fundar em uma ausência
corre o risco de se desfazer a qualquer momento. A exemplo do que ocorre na
maior obra a respeito de uma espera da literatura ocidental, Esperando Godot, de Samuel Beckett, o
livro é repleto de tempos mortos e situações arbitrárias que existem quase sem
motivo a não ser manter a narrativa viva: “Adiante, a história se dispersa e
quase não há maneira de continuá-la [...]” (p. 17); algo também presente quando
o narrador fala do romance anterior de Julián com Carla, o qual era preenchido pela
“possibilidade do amor”, ou “a iminência do amor” (p. 35). Junta-se a este
coro, o trecho no qual, comparando seu relacionamento pregresso com o atual, o
narrador conclui por Julian: “Verônica é uma mulher que não chega, Karla é um
mulher que não estava” (p. 42)

Ironicamente,
Julián defende-se contra o vazio existencial que esta situação cria, imaginando
o paradeiro de Daniela, o que o obriga a se movimentar pelo território da
narrativa tradicional, elucubração que resulta na criação de um possível
antagonista, desdenhado no início do texto:
“Verónica não
está presa numa avenida distante, está na casa de um homem que desta vez a
convenceu a não voltar mais. [...] É uma explicação redonda, inquestionável:
Verônica não chega porque está na cama com o professor de desenho, era uma
transa rápida que se transformou numa transa demorada.” (p. 59)
Este futuro
próximo imaginado se junta ao futuro hipotético (ou não!) estabelecido para
Daniela. Mais uma refração de um narrador que não se relaciona diretamente com
o vivido: “De forma quase automática, a vida começaria a penetrar nos dados
seguros, objetivos, que ele iria coletando.” (p. 38). Todas estas estratégias
se situam num projeto presente na obra de Zambra desde Bonsai, desconfortável
com as zonas textuais legadas pela narrativa tradicional e que busca novos
modelos estruturais.

ZAMBRA, Alejandro. A vida privada das árvores. São Paulo: Cosac Naify, 2013.
Autor: Daniel Baz
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