2013 foi um ano bom para os fãs de Neil
Gaiman no Brasil. De memória, consigo lembrar-me do lançamento de Orquídea Negra, Dias da meia-noite, Batman:
o que aconteceu ao cavaleiro das trevas,
e, principalmente, o lançamento em capa dura das quatro primeiras edições de Os livros da magia (1990), clássica
história escrita pelo inglês e ilustrada por quatro mestres do desenho: John
Bolton, Scott Hampton, Charles Vess, e Paul Johnson. Além destes, outro
lançamento de peso chamou a atenção para o criador de Sandman. Trata-se de seu
último romance, O oceano no fim do
caminho. A leitura destes dois últimos trabalhos (que, inicialmente, seriam
analisados aqui no Pato Fáustico em resenhas distintas), levou-me a resgatar
anotações antigas a respeito do escritor, cuja consequência será uma tentativa
de sistematização de algumas características de sua obra. Tive que confiar na
memória e esta é um terreno tão movediço quanto os enredos criados por Gaiman, por
isso, seguem-se inúmeras citações “de cabeça”. Espero, portanto, a
predisposição dos leitores para o diálogo posterior, esta sendo a verdadeira
intenção dos textos deste blog.
*
No clássico e delicioso Seis propostas para o próximo milênio,
Italo Calvino sugere uma série de “valores”, “qualidades” ou “especificidades”
(p. 11) que deveriam ser perseguidos pelos futuros escritores. De todos os
itens abordados, os dois primeiros, “leveza” e “rapidez”, parecem ter-se
tornado profissão de fé na obra de Gaiman. Comecemos considerando os dois
lançamentos mais importantes do ano passado. Em Os livros da magia, somos apresentados ao menino de doze anos, Tim
Hunter, que está destinado a ser o maior mago da história. Quatro poderosos
seres do universo DC, Vingador Fantasma,
Dr. Oculto, Mr Io e John Constantine, decidem então apresentar a “magia” para o
garoto. Na companhia do invejável quarteto, Tim irá conhecer o passado, o
presente, o futuro, e os reinos vizinhos, universos onde a magia impera e que
só podem ser percorridos por poderosos feiticeiros.
Já em O oceano no fim do caminho, uma fábula aparentemente mais simples
que os demais “livros de adulto” que Gaiman escreveu, o narrador (não
nomeado) relembra uma série de eventos passados quando tinha apenas sete anos.
Após a morte de um inquilino de sua família (que matara seu gatinho), o pequeno
protagonista passa a ser atormentado por um espírito ancestral, a pulga, que
assume a forma de mulher e passa a seduzir o seu pai. Logo, encontra Lettie Hempstock,
mais nova membro de uma família ligada à magia e que irá ajudá-lo contra o
inesperado mal, na mesma medida em que o introduz no mundo das entidades
místicas.
Muitas das características que marcam a
obra de Gaiman podem ser percebidas nestas duas histórias. Começando pelos protagonistas
ainda imaturos que, ao conhecer um terreno que extrapola a realidade comum,
formam seu caráter. A magia é, usualmente, uma metáfora para o aprendizado em
Gaiman e, principalmente nas duas obras mencionadas, torna-se uma forte
analogia para a potência transformadora, alquímica mesmo, da juventude. O
mágico é sempre resultado de determinada tutoria em seus trabalhos e, por isso, é frequentemente
um problema de formação. Uma personagem diz para Richard, em Lugar nenhum, quando percebe que ele não conhece a Londres fantástica na
qual acaba de ser inserido: “[..] mas que mente fantástica você tem meu jovem.
Nada como a ignorância, não é mesmo?” (p. 127), trecho em que a jovialidade do
personagem é emblematicamente ressaltada. Se a magia é primordialmente
instrução, traçando um silogismo inverso, o conhecimento também é
essencialmente mágico para Gaiman. Partindo desse tópico, poderíamos traçar
vários paralelos entre outros pontos de contato no imaginário desenvolvido pela
obra do britânico, desde as personagens femininas fortes e surpreendentes (em O oceano no fim do caminho, por exemplo,
revemos três velhas conhecidas), passando pelas moedas que surgem
inesperadamente, pela ambiguidade de certas figuras centrais, etc, etc.
Contudo, para incluir estas duas obras
no que pretende ser um texto panorâmico é necessário unir os dois ideias presentes
na obra supracitada de Italo Calvino com a própria natureza ficcional e
narrativa dos textos de Gaiman, projeto no qual a ideia de devaneio, articulada
por Gaston Bachelard, tem vital importância. O autor francês é, primeiramente,
importante na sua preocupação epistemológica com o novo espírito científico (semelhante
ao imaginário produzido por Gaiman), ocupado com a relatividade de Einstein, com
a física quântica e com a geometria não euclidiana, cujos traços românticos
tornam sua filosofia essencialmente transgressora e indomável. Além disso, ele se
coaduna com a imaginação material presente em toda a obra de Gaiman, passando
pelos seus trabalhos iniciais na DC (sua primeira história com o Monstro do
pântano começa com a evocação dos quatro elementos, por exemplo), chegando ao
imaginário aquático que permeia O oceano
no fim do caminho.
Contudo, a “sólida constância” da
monotonia material é revigorada com o espírito aventuresco leve e rápido
(pensando sempre com Calvino) das histórias do autor. Afinal, nas histórias de
Gaiman tudo é movimento. Tim Hunter, no primeiro quadro que aparece em Os livros da magia, está no meio de uma
veloz corrida em seu skate, imagem análoga à viagem movimentada que realizará
nos quatro volumes da obra.
Personagens como Shadow, de Deuses
americanos, e Fat Charlie, de Os filhos de Anansi, saem de situações
de estabilidade (prisão, rotina empresarial) para imergir em um mundo em
constante transformação. Coraline,
por seu turno, já começa com a ideia de mudança para uma vida diferente na casa
nova, representada, essencialmente, pela porta misteriosa que a garota descobre
na primeira frase do romance (p. 6). Lugar
nenhum, por sua vez, começa da seguinte forma: “Richard Mayhew não estava
se divertindo muito na noite anterior à sua viagem para Londres.”, informação
que deixa o leitor do romancista inglês já de sobreaviso para a mudança e a movimentação
prestes a acontecer.
Além disso, nesse mesmo romance há um
trecho representativo da gramática narrativa de Gaiman, que aposta na
dinâmica e na mobilidade dos motivos da trama, como metáfora estrutural de suas
zonas semânticas mais importantes: “Richard havia percebido que os
acontecimentos são seres covardes. Eles nunca acontecem sozinhos: vêm numa
matilha, pulando juntos sobre alguém ao mesmo tempo.” (p. 16). Já o narrador de
“Um estudo em esmeralda”, primeiro conto de Coisas
frágeis, admite: “No entanto, já comecei esta narrativa, e receio que seja
preciso continuar.” (p. 18). Sonho, por sua vez, se torna abatido depois que
recupera seus objetos e não tem mais para onde ir nas primeiras histórias de Sandman.
Enfim, o movimento é a condição de existência das fábulas do autor e o tempo é o
principal evocador do drama de sua narrativa (nesse sentido, Gaiman é um
seguidor de Lovecraft). Seu habitat é a transição, por isso a narração deve ser
leve e ligeira. Por causa disso também, o autor não pode escapar de certas
imagens, a exemplo de contos como “A vez de outubro”, no qual o tempo é
antropomorfizado, confissão explícita de que o escritor está consciente da
versatilidade da categoria temporal como protagonista das narrativas que
inventa. O conto funciona de forma irônica, pois, apesar de não irem a lugar
algum durante o enredo, os doze meses se ocupam, como atitude compensatória, em
contar histórias.
É evidente que essa constante
transformação a que o enredo está submetido tem a intenção de ser análoga ao
estranhamento que a maioria dos personagens de Gaiman sente, conforme se
acostumam com o mundo ao redor e com o fantástico que dele irrompe. Veja-se
este trecho de Deuses Americanos: “A jukebox começou a tocar ‘Who
loves the sun’, do Velvet underground. Shadow achou que era uma música estranha
e bem improvável para estar em uma jukebox. Mas e daí? Aquela noite estivera
mesmo cheia de coisas cada vez mais improváveis.” (p. 40). O “estranho” esbarra
paulatinamente na percepção ainda condicionada pela qual o herói vê o mundo,
numa pedagogia que o próprio narrador exerce ao lado dos “tutores”, personagens
presentes na maior parte das obras de Gaiman, e que acostumam seus discípulos
com os novos mundos a serem desbravados, como fica evidente no seguinte momento
de Lugar Comum: “Richard foi, e
percebeu que a pergunta “Que biblioteca?” não tinha saído de sua boca. Quanto
mais tempo passava ali, menos ele achava tudo estranho” (p. 145). Obviamente,
aqui estamos tateando a ideia de “hesitação” que marca a teoria do fantástico
mais célebre no ocidente, ou seja, a de Todorov, mas devemos voltar a este
ponto ao fim deste artigo.
Até mesmo em “O que aconteceu ao
cavaleiro das trevas”, no qual Gaiman trabalha com o universo do vigilante
noturno mais famoso da DC, o roteiro capta o universo por intermédio de seu
efeito “estranhador” e sua potência mórfica: “Onde estou? Aqui mesmo
em Gothan. Estou sonhando? Não. Não está sonhando. Aqui é Gothan. Digo, sei que
é Gothan, mas está... estranha. Conheço Gothan como a mim
mesmo. Conheço esta viela. Mas não está certa...” (p. 11). O
trecho também é emblemático de duas outras características das narrativas de
Gaiman, ou seja, o estranhamento do mundo é correlato ao sentimento desajustado
do herói e pode ser equacionado por intermédio do sonho. Todos os personagens
do autor sonham muito, ponto que será investigado, de forma sumária, a seguir.
Resta salientar, contudo, que o caráter cambiante da realidade é explorado
nesta história sobre o Batman de forma genial, pois após sermos apresentados ao
funeral do homem-morcego ouvimos versões de sua vida, contadas por seus vilões
e amigos de longa data, em uma espécie de “Rashomon do Halloween”. Tratamento
cubista que é usado também nas várias realidades, expressas pelos vários
artistas, de Os livros da magia.
Tudo isso se vincula à tradição fabular
oral dos textos de Gaiman, cujas histórias sempre operam uma luta contra o
próprio tempo, em que cada objeto pertence a uma rede de conexões que, somente
no futuro (narrativo e temático), poderá ter sentido completo. Sinal e ruído é certamente uma fábula
que parte da tematização desta que é uma força maior nas obras de Gaiman, ou
seja, a fatalidade como estruturante do texto. Nela, um cineasta consciente da
morte iminente alonga o tempo viabilizando um novo devaneio-filme sobre um
hipotético fim do mundo ocorrido no passado. O herói se pergunta, em dado
momento, porque escreve um filme que não terá tempo de filmar e eu me atrevo a
responder, pois somente a narrativa pode dar forma a um sentido palpável desse
tempo. Nesse sentido, Gaiman é ricoueriano ao extremo. Isso fica claro ao fim
da história quando, ao morrer, o herói se transfigura em personagem de seu próprio
filme e avisa que nada irá acontecer aos aldeões que esperavam o fim “ficcional”
do mundo. É oportuno dizer, neste ponto, que a própria ideia da morte em Gaiman
quase nunca é conclusiva, mas é ela mesma um potencial transformador. Em Sinal e ruído, portanto, o leiaute se
diverte oscilando entre páginas repletas de quadros e painéis mais longos,
explorando o ritmo inconstante e imprevisível ao qual seu herói está submetido,
tateando a forma melhor de ordená-lo. Essa estratégia estará presente também em
Os livros da magia. A fatalidade e
sua força ordenadora estão presentes ainda nas inúmeras profecias espalhadas em
muitos dos textos do autor e que, como é costumeiro, revelam apenas
parcialmente o futuro dos heróis, o que sugere certa subordinação da própria
ideia de destino à lógica narrativa.
Nesse
mesmo sentido, percebemos que o autor adora dar coisas aos seus personagens
que, no ato mesmo da dádiva, não têm nenhuma função de existir. Esta
dependência do futuro é ela mesma um signo de movimentação ininterrupta que
marca seus livros, correspondendo a um sistema simbólico de trocas e perdas,
duelos e barganhas, que mexem com as propriedades dos objetos e do mundo. São
os “objetos inesgotáveis”, típicos do devaneio e sua potência operante. O
dinamismo é o hábito primitivo que insufla força no narrado e na forma de narrar.
Tim Hunter ganha um ovo sem função
aparente, Shadow ganha uma moeda sem utilidade presente, a chave carregada por
Richard não tem uso, o colar de Tristam Thorn idem, e mesmo os objetos
perseguidos por Sonho em “Prelúdios e Noturnos”, primeiro arco de Sandman, parecem compor menos uma
obtenção presente e palpável do que um aglomerado de possibilidades futuras. Isso
se relaciona também com a força dos nomes e apelidos no mundo de Gaiman (Door
abre portas, Nancy é o deus Anansi, os nomes das ruas de Londres podem ser
literalmente interpretadas, etc.); isso ocorre porque são todos eles um índice
imóvel em um universo repleto de imprevisibilidade e inconstância. O gato diz
para Coraline, quando ela se apresenta, “Agora, vocês pessoas têm nomes.
Isso é porque vocês não sabem quem vocês são. Nós sabemos quem somos,
portanto não precisamos de nomes.” (p. 38) (interessante notar, contudo
que o nome de “Coraline” sugere a movimentação das letras dentro do nome,
comumente confundido por outros personagens que a chamam de “Caroline”).
Essa
mobilidade é positiva e vem frequentemente associada à infância ou juventude.
“Quanto mais velho eu fico, menos gosto de viajar”, diz o narrador do conto
“Lembranças e tesouro”. Ao passo que outros personagens, como o narrador de O teatro da meia-noite de Sandman,
história na qual Neil Gaiman une o universo de seu personagem com o herói clássico
da DC, diz: “Sempre fui bom viajante”. Com relação à infância, ela geralmente
vem associada à infinita potência criativa, à própria aurora do mundo e das
crenças que o sustentam, como fica claro no narrador de Mr. Punch: “Quando eu tinha quatro anos, acreditava em tudo,
aceitava tudo e não tinha medo de nada.”. Além disso, a figura da criança serve
à Gaiman para que ele possa escapar do famoso momento de vacilação que marca a
teoria do fantástico, a criança simplesmente aceita e investe em direção ao
novo: “Não quero fazer nada disso. Quero explorar.”, diz Coraline no começo de
sua aventura (p. 9), quando se ressente de não ter nada para fazer.
Rapidamente, uma porta que “não dá em lugar nenhum” ofende não só a menina, mas
também a própria consciência narrativa do leitor de Gaiman, pois sabemos que todo
umbral deve ser passível de transposição. Algo semelhante ocorre no início de Stardust, quando o narrador menciona a
brecha que permite a passagem para Wall, mas que deve ser protegida da
curiosidade das crianças. Na mesma linha, diz Adam Young, o menino indagador,
em Belas Maldições: “Por que a gente
tem que aprender coisas chatas quando tem tanta coisa fantástica que podíamos
estar aprendendo, é isso o que eu quero saber.” (p. 155). Da mesma forma, em
certa passagem de Fumaças e espelhos,
o autor brinca que sua profissão não é adequada para um adulto, unindo a
infância com a própria vontade de narrar.
A narrativa ela mesma é um meio de
transporte (para usar outra imagem de Calvino, quando ele fala da rapidez), pois
ela discorre e corre, ao mesmo tempo, para alcançar sua meta. Por isso que são
raras as digressões em Gaiman e, quando elas surgem, podem vir na forma de um
sonho, ou durante uma cena de ação propriamente dita, ou seja, conectadas com o
devir imediato da ação dos personagens. As obras de Gaiman relatam um
cosmodrama (no neologismo de Bachelard), no qual o homem sempre pode sonhar em
deter as rédeas do universo e acompanham personagens como Shadow, Tristan, Tim
e Coraline, que, efetivamente, as detém. Isso explica também a obtenção de
objetos especiais em muitas das narrativas do autor. Eles materializam as
forças obscuras da existência e podem ser retidos e úteis à vontade humana.
Além disso, eles representam o capricho de uma narrativa que se sabe planejada,
montada a partir do próprio devir. Sendo assim, em certos momentos, como no
conto em que Gaiman “concerta” o destino de Susan das Crônicas de Nárnia, o próprio ato narrativo é uma reorganização e
demonstração de domínio sobre os universos conhecidos por nós e das hipóteses
para seu futuro. Seguindo esta linha, o conto “Presente de casamento”, de Fumaças e espelhos, é uma demonstração
genial da força da narração na obra do romancista inglês (na verdade, uma
brincadeira narrativa que investiga os limites entre ficção e sua função
pragmática e que deve ser melhor investigada em outra ocasião). Um casal recebe
de presente de casamento um envelope no qual é contado uma história paralela na
qual as consequências das bodas são terríveis. Regularmente, a descrição
hipotética atualiza uma série de tragédias e tristezas que não são vividas pelo
par principal. A mulher retira o papel do arquivo para a gaveta de joias,
indício de que a monumentalização passa a substituir a documentalização do
texto recebido, e começa a se questionar se sua vida verdadeira não seria essa
relatada nos papéis, pois a sua era perfeita demais para ser “real”. A lição da
história permite-nos concluir que, mesmo quando as coisas vão bem, há um
princípio de realidade que deseja consumir tudo em Gaiman.
Por esta via, a organização dos mundos
do criador de Sandman convida à ação, convoca o homem para que dome as forças
desordenadas do mundo que o cerca. Todo enredo de Gaiman envolve certa dimensão
de estruturação do cosmos. É por isso que a realidade é tão ambivalente em suas
obras, pois apesar de seus personagens se desvincularem de seus padrões convencionais,
caso queiram aprender como o mundo efetivamente é, o real é sempre uma força
presente e estável. Por um lado, por causa das zonas de referência que se
relacionam com as convenções do real e, por outro, e mais importante, porque a
realidade é o fenômeno mais regenerativo em Neil Gaiman. Trechos como o
seguinte de Lugar comum percorrem
toda a obra do inglês: “E tudo voltou ao normal. Os convidados, os guardas e os
garçons piscaram, balançaram a cabeça e, depois de terem presenciado algo
sobrenatural, concordaram, de modo intuitivo que aquilo nunca acontecera. O
quarteto de coras começou a tocar” (p. 176). Aliás, é nesse romance que a
onipresença do real em muitas cenas, mas especialmente no fim, é sentido de
forma mais traumática. A cena inicial de Orquídea
negra funciona da mesma forma, quando uma típica fantasia super-heróica se
transforma em um ato de violência muito próximo dos vivenciados no mundo convencional,
estratégia que consagrou a história como um marco em sua época. Por sua vez,
contos como Golias, escrito para o
universo de Matrix, começa com este tipo de questionamento: “Acho que posso afirmar sempre ter
suspeitado que o mundo fosse uma farsa barata e tosca, um péssimo disfarce para
algo mais profundo, mais esquisito e infinitamente mais estranho, e de alguma
forma sempre ter sabido a verdade.” (p. 95). O texto funciona de maneira
semelhante no início de Stardust,
história que se inicia com alguns parágrafos extremamente fabulares, admitindo
o caráter fictício da narrativa, mas que logo se entrega à estratégia mais
característica do discurso realista (poucas vezes vista em Gaiman): uma longa
descrição de Wall e seus arredores.
Em Belas maldições, há outro trecho que demonstra
de forma complementar a consciência do narrador desse fenômeno:
“Madame
Tracy rompeu o silêncio.
—
Eles não eram estranhos? — comentou.
Ela
não quis dizer "eles não eram estranhos"; o que ela quis dizer provavelmente
nunca poderia esperar expressar, a não ser gritando, mas o cérebro humano
possui poderes de recuperação fantásticos, e dizer “eles não eram
estranhos" era parte do rápido processo de cura. Em meia hora, ela estaria
simplesmente pensando que bebera demais.”(p. 342)
O real que se reestrutura no trecho acima é o palco
de uma das mais impressionantes edições de Sandman,
cuja história, aliás, começa justamente quando Sonho é submetido às forças do
mundo real. Trata-se do número quatro de “Prelúdios e noturnos”, quando
Morpheus enfrenta o demônio Colozon. O campo de batalha escolhido é a realidade,
numa demonstração da força das palavras submetidas a um imaginário lógico de
fenômenos mensuráveis e hierarquicamente organizados pela sua potência
destrutiva e construtiva. A edição é uma ode à estabilidade das convenções do
mundo real que, na mesma medida em que limitam o homem, são o veículo da
criação de novos mundos onde ele poderá habitar. Por sua vez, condizendo com o
caráter traumático que optar entre real ou fantástico acarreta em Gaiman, a
punição mais poderosa dada por Oneiros ao mortal que o aprisionou é justamente
o “eterno despertar”, ou seja, a experiência consecutiva do caráter regenerador
do real e da impossibilidade de usufruir ativamente do devaneio.
A
realidade irrompe como trauma também na pequena narrativa “Destrua”,
genialmente desenhada por Dave McKean, usando o método da bricolagem, que
elenca recortes como aqueles de cigarro do tipo “O ministério da saúde
adverte...”, excerto que tapa os olhos da personagem em um dos quadros. Aliás,
a narrativa gráfica Sinal e ruído,
desenhada pelo mesmo artista, também interpreta em certa medida a luta entre a
força da “vida real” e do projeto ficcional do herói. Por sua vez, o método
modernista de McKean, baseado na revolução cubista de Braque e Picasso e seus papiers collés, nos quais a inscrição do
mundo material “real” substituiria o trabalho da pintura, é uma maneira de
introduzir uma nova, traumática, noção de realidade que surge contaminadora no
eixo da representação. Por sua vez, em Belas
maldições, o efeito é atingido através de dispositivo diferente. Um anjo,
Aziraphale, e um demônio, Crowley, devem se adaptar à realidade do século XX (e
depois lutam pela preservação desta mesma realidade), com o intuito de impedir o
fim do mundo. Logo, a força da realidade e seus hábitos atenuam o caráter
fantástico das duas criaturas a ponto de obrigá-las a seguirem suas convenções:
“Crowley acendeu os faróis. Não precisava deles para enxergar, mas faziam com
que os outros humanos na estrada ficassem menos nervosos. Então deu a partida e
dirigiu devagar colina abaixo. A estrada saiu de sob as árvores e, depois de
algumas centena metros, atingiu os arredores de um vilarejo de tamanho médio.”
(p. 83)
No
mesmo livro, em meio aos inúmeros seres e ocorridos estranhos/maravilhosos, o
banal emerge soberano, quando a “Ruiva” abre certo pacote que deveria ser uma
explosão de fantasia: “Ela a examinou. Era uma espada bem comum, comprida e
afiada; parecia ao mesmo tempo velha e sem qualquer uso; e não tinha nenhum ornamento
nem nada que impressionasse. Não era nenhuma espada mágica, nenhuma arma mística
de poder e força. Era muito obviamente uma espada criada para cortar, fatiar,
perfurar, de preferência matar, mas, não podendo, mutilar irreparavelmente um
número muito grande de pessoas, na verdade. Ela possuía uma aura indefinível de
ódio e ameaça.” (p. 113).
Nesses exemplos, como acontece em muitas
partes do livro, o sobrenatural repete os costumes tradicionais do “real”, numa
demonstração da força da realidade e da adaptação a ela em Gaiman. Tal profusão
de artifícios ocorre, visto que Gaiman tenta resolver em suas obras algo que sempre
foi uma preocupação de autores como Edgar Allan Poe, ou seja, como encadear
pensamentos fantásticos? O problema enfrentado, que é um problema de
representação, pode ser resumido da seguinte forma: como usar da lógica
sintagmática padrão, funcional para descrever o que entendemos como real, na
organização de universos compostos pela imprevisibilidade do fantástico? E digo
mais: o fantástico enfrenta um problema básico de mimese, pois sinaliza para
situações desconhecidas, mas por intermédio de uma linguagem, cuja função
primeira é sinalizar, ou seja, atualizar conceitualmente itens já conhecidos. A
respeito destas aporias, o narrador de Golias, revela: “Numa história de ficção, acho
que teria me recusado a acreditar que aquilo estava acontecendo, teria me
perguntado se tinha sido drogado ou se estava sonhando. Na realidade, caramba,
eu estava lá e aquilo era real, então olhei para cima na escuridão e depois,
como nada aconteceu, comecei a andar naquele mundo líquido, gritando para ver
se havia mais alguém ali.” (p. 96). Esse trecho inverte o imaginário presente
na maioria das obras fantásticas, pois aqui é justamente a insuficiência da
realidade (e se fala de insuficiência, mas nunca de inutilidade) que garante a
abertura para universos além dela. Obviamente, poucas linhas depois o real se
regenera e o “tempo volta a correr normalmente” (p. 97). O texto não demora a
inserir o herói no cotidiano normal novamente, ficção que será preferida à “verdadeira”
realidade (como ocorre com o personagem Cypher em Matrix).
É por situações como essas que ler
Gaiman não basta. É necessário sonhar Gaiman, isto é, meditar suas imagens como
sendo uma faceta ficcional do imaginário, mas nunca compensatória ou
simplesmente imitativa. Se lermos Gaiman assim, ele será só um best-seller bacana.
Contudo, ocorre que em Gaiman há sempre um duplo drama. O da necessidade
aventuresca do fantástico (e de sua ética) e o da fundamental recomposição do
mundano. Ambos são um só. O real é um fantástico recalcado, o fantástico é o
real sublimado. Como Tim Hunter aprende, o universo mágico é o nosso
“distorcido” (o autor, na introdução de Fumaça
e espelhos, defende que a ficção é justamente o efeito de um espelho
“distorcido”), precisando de sua íntima conexão com o empírico, o que é
expresso em closes em partes do rosto e em miudezas aparentemente irrelevantes
do cenário, além de ser representado pelo leiaute caótico (p. 97, 82). O
espírito da aventura empreendida ao fim é, portanto, a forma que o mundo tem de,
pondo-se em movimento, se reestruturar. Há uma dialética de ímpeto e contenção,
expressa nos inúmeros limiares, umbrais e passagens, as quais os protagonistas
devem transpor. Este processo é o mundo mesmo se autoconhecendo e testando a
eficácia de seus limites através dos personagens. No conto “Os fatos no caso da
partida da senhorita Finch”, por exemplo, os personagens todos trabalham com
ficção, logo temem que os outros não acreditem na história fantástica que terão
de contar. A ficção molda o real livremente, portanto não precisa substituí-lo,
assim como a fantasia. Além disso, a distinção feita por Sartre entre uma arte
convencional ,“tética”, e outra “não tética”, maravilhosa, é insuficiente para
ler Neil Gaiman.
É preciso sonhar Gaiman e, consciente
disso, o autor recheou seus romances com inúmeras situações nas quais os personagens
sonham, compondo um catálogo poucas vezes visto na literatura ocidental.
Cheguei a começar uma enumeração destas cenas, mas isso poria fim em qualquer
interesse a respeito deste artigo que já se alonga. Entretanto, o sonho ajuda
Neil Gaiman, primeiramente, a enfatizar as bases alquímicas das transformações
elementares que marcam sua obra. Há neles uma percepção da energia da matéria
que quase supera os limites entre figurado e não-figurado. Esta lógica onírica
está também no espaço deiscente de Os
livros da magia, que em muitas páginas abre-se para todos os lados,
representando a pura potência convidativa a todas as formas. É necessário
lembrar que o sonho não tem história, como a noite, já disse Bachelard. E o narrador
de “Um estudo em esmeralda” sonha em determinado momento do conto, “um sonho
sem sol” (p. 29).
Imprimir no sonho dos protagonistas o sentido
de seu trajeto pessoal liberta momentaneamente o autor da lógica determinante
da concatenação, necessária para o enredo de aventura. No sonho, os heróis
emprestam pedaços de sua natureza a uma lógica sempre pré-subjetiva, ainda que
passível de hermenêutica concreta pelo leitor interessado. Eis a grande ruptura
de Gaiman, uma de suas ousadias maiores. No sonho absoluto, o ser só pode existir
enquanto falência, portanto, o sonhador se desenvolve na plena aniquilação
futura de si (por isso os “duplos” de Fat Charlie e a presença deles em Sandman, em Coraline...), mas o próprio sonho não tem futuro, apenas a
realidade presente de sua manifestação o possui e, nela, o sujeito pode exercer
um “ego” insolúvel, ainda que plenamente motivado pela natureza do devaneio.
Gaiman corrói a difícil barreira onírico/real, permite que seus heróis sejam
uma imagem paradoxal poucas vezes encontrada na literatura, a do sujeito
sonhante, um cogito sólido e viável, mas pertencente ao sonhador, sendo assim,
formula uma união impertinente do diurno e noturno. Afinal, “a imaginação não
conhece o não-ser”, diz Bachelard (p. 161). Sendo assim, o tropo do “foi só um
sonho” que geralmente é um clichê horrível, pode ser a poética de certos contos
de Gaiman, a exemplo da resolução da história de Rose no arco “Casa de bonecas”
de Sandman.
A narrativa de Gaiman funciona análoga à
tessitura que o psicanalista constrói (ainda que sua natureza pragmática seja
quase oposta), explorando um enunciado coerente a partir da experiência onírica
do paciente. Contudo, diferente do método psicanalítico, por ser artisticamente
orientado, permite que os abismos do ser sejam também experimentados, fruídos.
É, portanto, um legítimo devaneio. Leveza e movimento contribuem, finalmente,
com isso. O autor diz em mais de uma ocasião que a magia torna a metaforização supérflua.
Acontece que, compartilhando com alguns preceitos caros a Bachelard, nos universos
criados por Neil Gaiman, o peso da matéria desaparece (leveza) na sua
capacidade operante (criativa), pois tudo que diz respeito ao concreto é movimento,
transformação e, principalmente, intercâmbio. Por isso que, só enfrentando a
realidade, a metáfora pode existir, pois evidenciando a diferença nos itens
comparados, mantém a transitoriedade de cada item do discurso. Nesse sentido, e
ouso afirmar, somente nesse, é muito parecido com Kafka. Nada é apenas “in
presentia”, mas esconde valores e formas sempre “in absentia”, revelados pela
potência mística do universo e que, quando encontrados, existem por si só,
quase sem referência, livres de qualquer alegoria determinante. Por fim, quem
já reparou que poucos casais inicialmente propostos pelas narrativas do inglês
terminam efetivamente juntos? Em um mundo leve e em constante transformação,
nem o tropo mais clichê da cultura ocidental, o do “casal feliz”, consegue
resistir aos devaneios do escritor.
*
A magia em Gaiman se funda em uma
filosofia positiva, de aproveitamento afirmativo da sua presença na realidade.
Já vimos que o real é o principal interlocutor da palavra fantástica nos
enredos do inglês. A magia, portanto, nunca é realizada completamente e é sua
incompletude que garante sua existência e nosso interesse renovado por ela.
Lança uma dúvida aos referenciais aos quais estamos acostumados, mas promove no
texto a sua regeneração, pois é necessário também acreditar naquilo que nos
cerca e que nossos sentidos apreendem. A representação, por si mesma, nunca é
plena e totalmente funcional. Saímos dos livros de Gaiman presos na eterna
dúvida, desconfiados dos limites do real. Esta é a única “vacilação” que a obra
do inglês propõe. Sendo assim, este movimento, esta busca onírica, esta
vivência da narrativa em limites nunca totalmente transponíveis, garante às
fábulas de Gaiman aquilo que Spinoza chama de afeto, ou seja, modos de
pensamentos não representativos e que se traduzem a partir de uma volição, uma
vontade, uma variação intensiva da potência do ser que não se confunde com seu
objeto (passível de representação), nem com a ideia estável que temos dele
(substituindo-a por sua formalidade intrínseca) e que talvez seja a fibra
perene e inevitável do sonhar e da potência de agir que marca sua obra. Chegou
a hora de relacioná-la com a tradição do fantástico.
Geralmente, os heróis de Gaiman
aglutinam dois tipos de personagem - para seguir a tipologia de Frye, que
fundamenta a principal discussão sobre o gênero fantástico no ocidente, ou
seja, a de Todorov. Num primeiro momento, Shadow, Fat Charlie, o narrador de O oceano no fim do caminho, os humanos
de Belas maldições, o narrador de
“Golias”, Richard Mayhew são personagens que se situam no mesmo nível do leitor
com relação às leis da natureza, o que os qualificam como protagonistas do
gênero imitativo baixo. Contudo, logo eles sofrem a transformação que os situa
no plano da lenda ou do conto de fadas, onde os heróis tem superioridade de
natureza (inclusive pertencendo a clãs e seitas exclusivas) em comparação com
seus leitores. Foi isso que desqualificou em certa medida a hipótese do
canadense (que não previu a múltipla combinação das categorias que ele criou) e
é isso também o que demonstra o valor diferenciado da “tragédia” (alienação do
herói do mundo) em Gaiman, pois ela surge como libertação, já que o mundo do
qual os protagonistas se alienam é o mundo limitado e sem projeções do leitor.
De qualquer forma, há sempre um sentido cômico nas tramas do inglês que
reconectam os protagonistas a outro mundo (neste sentido, o fim de Lugar nenhum e Belas maldições é muito significativo). Sendo assim, destruir
totalmente o real, seria destruir o contexto hermenêutico de onde o leitor
parte para construir seu imaginário, terreno abandonado pelo herói que
acompanhou e por quem torceu. A escolha estrutural de Gaiman é de empatia
catártica, deixando refiguradores miméticos rastreáveis (a realidade como força
de conservação) para o leitor neles se apoiar. Isso explica a necessidade de
que as imagens do autor insistam no livre trânsito do “trágico” ao “cômico”
(sempre pensando com Frye), permitindo a passagem ininterrupta e
multidirecionada do real ao ideal e do ideal de volta ao real.
Se não me engano, Louis Vax diz em um
texto que o que marca o sobrenatural contemporâneo é a experiência de homens
“como nós” que lidam com situações inexplicáveis. Mas já sabemos que os seres
de Gaiman são “como nós” apenas no início de sua trajetória, logo descobrindo
algo que os diferenciam, seja por intermédio das próprias personagens (Shadow,
Tim Hunter), seja pela revelação de sua natureza desconhecida (Fat Charlie,
Adam Young). Sendo assim, a “vacilação” todoroviana já não é mais tão
importante, pois o estranho/maravilhoso aqui não exclui o real, sendo antes o
centro irradiador dele. É assim que Gaiman lida com o terror visto por
Lovecraft na condição de qualquer relato sobrenatural. Segundo o americano, a
simples existência do fantástico aterroriza porque derruba as leis naturais,
cuja manutenção da ordem seria nossa única salvação. Não à toa, Lovecraft
nomeia a hesitação presente na obra sobrenatural de “suspensão maligna”. Em Gaiman,
frequentemente o mundo natural é afetado, mas raramente vislumbramos aquela
aproximação com o caos que o imaginário das obras de Lovecraft proporciona. O
espanto não é erradicado, mas naturalizado, já que, ao final, tudo é alquimia e
transformação. Mais uma vez, a leveza e a rapidez se manifestam como trunfo de
Gaiman na sua perspectiva particular da literatura fantástica.
O sobrenatural serve à estrutura do romance
contemporâneo como um desequilibrador definitivo no mundo, uma maneira de
mobilizar o cinismo recorrente na sociedade atual em prol da narrativa, já que
o mundo representado desvincula-se do contexto estabelecido e naturalmente
promove a quebra de regras narrativas e sociais estabelecidas, como Todorov
conclui. Mas quem leu Todorov deve se lembrar que o autor afirma tratar-se o
fantástico justamente de um gênero cujo último suspiro se dá em Maupassant e
cuja característica essencial é a hesitação diante do fora da norma. É aqui que
Gaiman empreende uma nova etapa no desenvolvimento do gênero. Ao usar o
potencial subversivo do gênero fantástico e ao mesmo tempo, ao evidenciar sem
culpa a força regeneradora da “realidade”, ou seja, das normas convencionais
nas quais estamos imersos, o autor permite que a vacilação hermenêutica do
leitor não seja apenas em razão da verificabilidade ou não dos fatos, mas em
relação do valor positivo emprestado à transformação radical do mundo
conhecido.
No fantástico clássico tínhamos regras erigidas
pelo mundo ficcional e só poderíamos optar em legitimá-las ou não em nossa
leitura dos dados. Agora, estamos livres para esquecer o passado e “a metafísica
da linguagem cotidiana” é abandonada em Neil Gaiman fortalecendo a presença
constante do irreal dentro de si. De nós. Sendo assim, o britânico se posiciona
entre a aproximação com o personagem e a adaptação de nosso imaginário ao
desbravado por ele, entre Poe e Kafka, entre a alegoria e as forças poéticas do
conto popular. As crônicas de gelo e fogo e certos momentos da saga de
Harry Potter parecem fazer algo semelhante e talvez um dia eu me detenha em
algum deles. Mas nenhum desses outros exemplos valoriza como Gaiman a vontade
de fazer, expressa na excelente epígrafe de Coraline: “Contos de fadas são a
pura verdade: não porque nos contam que os dragões existem, mas porque nos
contam que eles podem ser vencidos.” (p. 4). Gaiman nos oferece o dragão e
a espada e se situa como criador brilhante, geralmente ocultado ora pelo
preconceito academicista tão ridículo quanto elitizado, ora pelos admiradores
gratuitos que simplesmente cultuam um rarefeito legado pop tão elitista quanto o outro.
Autor: Daniel Baz